O jogo começou escrupulosamente às 10 horas de uma manhã de domingo ainda molhada pela chuva da noite anterior. O campo, o do Regimento de Engenharia, em Paramos (Espinho), não podia estar pior.
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Em terra batida e areia, rodeava-o um verdadeiro fosso de água. Nada, porém, que afastasse as mais de cinco dezenas de espectadores daquele que era o jogo grande da jornada: Águias de Paramos contra Cantinho da Rambóia, líder do campeonato de futebol popular de Espinho.
Num contra-relógio de emoções, as duas equipas digladiaram-se 90 minutos. Houve de tudo: gritaria até mais não, faltas até dizer chega, umas sancionadas, outras nem por isso, uma mão cheia de expulsões, dois pénaltis, insultos de parte a parte, ameaças ao árbitro e muita mãe inocente de orelhas a arder. E, pelo meio, bom futebol.
É sempre o amor ao jogo, antes mesmo do amor à camisola, que está em causa, em todas as partidas realizadas entre as 27 equipas do campeonato, um fenómeno que movimenta, todos os fins-de-semana, cerca de duas mil pessoas. Entre elas, cerca de 700 atletas que nada ganham além do prazer de dar uns chutos numa bola.
"Isto é pura carolice. Ninguém ganha nada, nem jogadores, nem dirigentes. Muito pelo contrário: são muitos os que tiram do próprio bolso para que este fenómeno possa continuar a ser uma realidade", explica Manuel Oliveira, presidente da Associação de Futebol Popular de Espinho.
Ao todo, são cerca de 1100 pessoas - dirigentes, treinadores e atletas - que, depois do trabalho e roubando muitas horas à família, largam tudo a caminho de treinos.
Em dia de jogo, chegam com as bandeirolas às costas e baldes de cal nas mãos para marcar as linhas. Alguns equipam-se nos próprios automóveis, o que não os impede de se apresentarem a rigor. Os mais briosos fazem questão de ter chuteiras de marca. E os árbitros? O traje é igual ao dos homens do apito do futebol profissional. No futebol popular, quem dirige são elementos das equipas. Mas não os jogos da própria divisão (há duas).
Mas, se a palavra carolice é a mais usada para explicar o empenho, o certo é que o campeonato está organizado de tal forma que as equipas acabam por disputar praticamente o mesmo número de competições do futebol oficial.
Presidente da Câmara já jogou
Muitos dos jogadores passaram por equipas federadas, mas, por terem preferido outra profissão, ou por terem percebido que nunca viriam a dar o salto, optaram pelo futebol popular para não deixar escapar o "bichinho". São, por isso, de todos os estratos sociais, de operários a advogados, passando por funcionários públicos. E entre eles também andaram já os presidentes da Câmara, Pinto Moreira, e da Assembleia Municipal e deputado no Parlamento, Luís Montenegro.