Ornitológicos e Ondas sem Reservas, uma escola de bodyboard, dois projetos de portas abertas em que desporto, educação e cidadania dão as mãos.
Corpo do artigo
Letícia fala sem papas na língua do passado. Tinha 11 anos, estava "meio perdida", seis negativas na escola, um futuro que não augurava "nada de bom". Hélder Aires viu-a na praia. Notou-lhe "sinais". Puxou-a para os "Ornitológicos". Ganhou amigos, aprendeu o respeito pela Natureza, o significado de afeto, cumplicidade. Fez-se mulher, boa aluna, soma medalhas no bodyboard, é tutora de dois alunos, "um exemplo" na escola e no desporto. É ""ornitológica" com muito orgulho". O projeto arrancou há quatro anos e já tem novos "braços". São muito mais do que miúdos numa prancha.
"Ontem estive a estudar a tarde inteira", conta Luana. As boas notas são, por ali, pré-requisito para o treino. "Eles já sabem", diz Hélder, que começou com sete meninos e, hoje, tem já 50 e uma mão-cheia de campeões. Foi técnico de acolhimento na Obra do Padre Grilo. O bodyboard era paixão antiga. Começou a dar treinos às crianças institucionalizadas e o desporto revelou-se uma "poderosíssima ferramenta de intervenção": Melhores notas e comportamentos, nenhuma retenção. Pouco depois, com a mesma filosofia, fundou os "Ornitológicos" no seu "spot" preferido, em frente à Reserva Ornitológica de Mindelo, Vila do Conde. Entretanto, voltou a estudar e, já assistente social, foi colocado em Caxias. Teve que fazer opções. Os "Ornitológicos" levaram a melhor.
"Ondas Sem Reserva"
"Malta, têm um minuto para apanhar todo o lixo que encontrarem na praia!", diz Hélder. Um pega num saco, os outros espalham-se pelo areal e o saco enche num abrir e fechar de olhos. Separam resíduos. Levam ao ecoponto. "Trabalho de equipa, coordenação, consciência ambiental, civismo e bom aquecimento", atira Hélder, sorrindo. Em cima do muro, há roupa de um lado, camisolas e barbatanas do outro. As pranchas cuidadosamente encostadas.
Em roda, partilham-se problemas, medos, coisas boas e más. "O que aqui é dito, não sai daqui". Tudo pronto. Uns exercícios e uma corrida até à água. Enquanto espera as ondas, a "família" mantém-se junta. Grandes de olhar atento nos pequenitos. Hélder em terra a dar instruções.
Nesta "escola especial", os mais carenciados não pagam. Cabem todos. Letícia foi a primeira "intervencionada". Hoje, aos 15 anos, é facilitadora de grupo no "Ondas Sem Reserva". O "braço" dos "Ornitológicos" é financiado pelo Portugal Inovação Social. Recebe crianças de três casas de acolhimento. Já são mais de 70. Hélder aplica aqui o muito que aprendeu como assistente social. Trabalha resiliência, insegurança, competências básicas, organização, solidariedade, atividade de grupo.