<p>Não há memória de uma intempérie assim: a Madeira acordou para um cenário dantesco. Ruas transformadas em rios de lama, casas inundadas, carros e pessoas arrastadas, pontes derrubadas. Morreram 40 pessoas e há um número incalculado de desaparecidos. Acrescem 70 feridos e mais de 200 desalojados.</p>
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Choveu insistentemente durante a madrugada, mas a maior carga de água caiu entre as 9 e as 10 horas: em apenas uma hora choveu 52 mm, quase tanto como a média mensal diária do mês de Janeiro (61mm). A água começou a descer furiosamente montanha abaixo, arrastou rochas, troncos de árvores e lama, que rapidamente inundaram caminhos, estradas e casas.
Nas zonas altas do Funchal houve pessoas que tiveram de subir de pijama para os telhados das moradias. Na zona do Monte, a capela das Babosas foi arrasada por uma derrocada e houve várias pessoas arrastadas pela enxurrada. Uma grua que estava a ser utilizada na construção de uma estrada caiu em cima de uma casa em Santo António e matou duas pessoas.
Dezenas de carros estacionados e outros que circulavam nas estradas, incluindo viaturas de bombeiros, foram arrastados pela fúria das águas. Um automobilista que subia a rua da Pena - perto do local onde vive o presidente do Governo Regional (GR), Alberto João Jardim - conseguiu salvar-se, mas perdeu o filho de 5 anos e, à tarde, ainda não sabia da mulher. Na zona ainda havia ontem pessoas presas dentro de automóveis, caídos no leito de um ribeiro. Foram contabilizados pelo menos 68 feridos, dois em estado grave. Duas pessoas foram operadas na especialidade de ortopedia e houve vários casos de hipotermia.
Construção junto a ribeiras
Na Baixa da cidade, as três ribeiras que atravessam o Funchal - São João, João Gomes e Santa Luzia - rapidamente galgaram as margens e as águas furiosas e barrentas inundaram ruas, casas e lojas. A Baixa ficou irreconhecível. O centro comercial Dolce Vita - inaugurado há pouco mais de um ano e construído junto ao leito de uma ribeira - ficou inundado e a rotunda em frente abateu. Na mesma zona, crítica, o edifício do Marina Shopping e o prédio onde funciona o Posto Emissor do Funchal (PEF) foram evacuados por estarem em risco de derrocada, noticiou o Diário de Notícias do Funchal.
Por toda a ilha, houve dezenas de estradas cortadas, quer devido ao entulho e à lama, quer às derrocadas. Na Ribeira Brava, o segundo concelho mais afectado, uma ponte ruiu e a localidade da Tabua ficou isolada. Em Câmara de Lobos, houve carros arrastados pela chuva. No sítio das Eiras, em Santa Cruz, um mar de lama invadiu uma urbanização recente e há dezenas de carros estragados. Os moradores treparam varandas e muros para escapar à enxurrada. De nada lhes valeram os apelos para os bombeiros, mais atrapalhados com o socorro no Funchal, onde ontem ainda havia zonas inacessíveis.
Devido às derrocadas, a única estrada de acesso ao Curral das Freiras - localidade com cerca de quatro mil pessoas no centro da ilha - esteve intransitável e, até ao início da noite, não havia comunicações. Chegou a temer-se o pior. Mas, ao JN, o vice-presidente do Serviço Regional de Protecção Civil, Pedro Barbosa, garantiu, por volta das 20 horas, que já tinha sido possível estabelecer contacto e que não havia pedidos de ajuda.
No centro do Funchal ruíram duas pontes - uma delas bem no centro, junto ao Mercado dos Lavradores - e o pânico entre a população foi generalizado. Houve vários cortes de energia e, durante todo o dia, as comunicações móveis e fixas estiveram muito difíceis, pelo que ninguém conseguia saber dos seus familiares e amigos.
Em conferência de imprensa, Alberto João Jardim disse que a prioridade era "tratar dos vivos" e garantiu alojamento, roupa e refeições para os desalojados, em número que ninguém conseguia ontem quantificar. Para os que perderam a casa, o presidente do GR garantiu que irá contratualizar, desde já, "os alojamentos que forem necessários" e deu instruções para que seja preparado um concurso "para alojar todos os que ficaram sem casa".
O "grande problema são as acessibilidades", disse, explicando que a prioridade será limpar as estradas e pediu às Forças Armadas pontes militares para serem usadas até se construírem novas pontes. "Neste momento, precisamos da ajuda de todos", reconheceu.
* COM PAULO LOURENÇO