No centro da cidade começam a surgir novas indústrias, que se juntam a unidades em laboração há muitos anos.
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Já se fabricou quase tudo no Porto, cidade que foi fortemente industrializada e viu esse desenvolvimento atingir velocidade de cruzeiro a partir da segunda metade do século XIX, com inúmeras fábricas de diversos setores. O mais forte - refere o jornalista e historiador Germano Silva - foi na área dos tecidos. "Chamavam ao Porto a Manchester portuguesa, por causa da grande indústria de tecidos, que havia muito no Bonfim", recorda.
"Inicialmente, as fábricas estavam no centro. Na Rua da Alegria, por exemplo, havia a Fábrica de Seda Nogueira", lembra Germano, que aponta o final da Segunda Guerra Mundial como o início do declínio da indústria na Invicta. Hoje, e sob um paradigma diferente, surgem unidades de fabrico no centro, sendo algumas das mais recentes dedicadas à produção de cervejas.
Manuel Alcino & Filhos: a moldar prata há mais de um século
Centenária, a oficina de transformação de prata Manuel Alcino & Filhos é uma das fábricas que continuam a escrever novos capítulos na história da indústria portuense. Mas quem se detém a apreciar as montras da joalharia Alcino, entre a Rua de Santos Pousada e o Campo 24 de Agosto, não adivinha que, por trás da elegância da loja aberta há dois anos, vive uma enorme fábrica onde são criadas as peças que brilham nas vitrinas. Ali, no meio da austeridade granítica das paredes, os artífices podem dar forma a um colar ou a uma peça desenhada pelo arquiteto Siza Vieira.
Albino Pereira, que ingressou na oficina aos 12 anos, quando, sentado à bancada, "nem chegava com os pés ao chão", está a trabalhar numa tartaruga, cujas peças já passaram pelo colega da cinzelagem, que lhes deu os relevos. Manuel Alcino Moutinho, quinta geração da família que fundou a oficina, em 1902, na Rua do Barão de S. Cosme, aposta na "personalização" das criações, que são únicas e fabricadas artesanalmente. Com outra loja no Hotel Intercontinental, a Alcino prepara-se para abrir uma terceira no início do ano, na Rua das Flores.
Aquela Kombucha: negócio que nasceu após viagem a Bali
Maria costuma dizer que a kombucha lhe aconteceu na vida. E não lhe virou costas. Surgiu por acaso, numa viagem que fez a Bali, em 2017, depois de deixar para trás o trabalho na área da moda e a vida em Londres. Provou a bebida, que é probiótica e feita a partir de chá fermentado, gostou e tentou encontrá-la quando voltou a Portugal.
Sem achar por cá algo de parecido com o que experimentou naquela ilha da Indonésia, Maria Lima resolveu aventurar-se no fabrico, em casa. E o sucesso foi tal que não tardou até que lhe chegassem várias encomendas, o que complicou a logística caseira. Foi então que Maria, 30 anos e arquiteta de formação, pensou que "devia levar mais a sério" a kombucha. Pegou nos alicerces que lançara a partir do fabrico caseiro, criou a marca - Aquela Kombucha - e começou a erguer "a primeira fábrica de kombucha do Porto". Está a montar a produção nas antigas instalações de uma gráfica, na zona do Bonfim, e é um cervejeiro de Gaia - António Lopes, que criou a Lupum - quem está a instalar a maquinaria. Dois fermentadores de 500 litros hão de fazer quatro mil litros de kombucha por mês. À entrada da fábrica haverá uma "taproom", para provar a kombucha, e torneiras, para adquirir a bebida ao litro.
Jopel: desde 1978 a fabricar casacos de pele
Jorge Silva, que nasceu em Campanhã, tinha oito ou nove anos e uma infância madrasta quando decidiu que "queria ser alguém". Pelo caminho, que começou aos sete anos, a trabalhar em obras, fez "de tudo" - vendeu roupa de porta em porta e caramelos no antigo estádio das Antas, foi trolha, eletricista de automóveis e ferrageiro. Até que montou, em 1978, aos 27 anos, a própria empresa, a Jopel, uma fábrica de peles que, numa primeira fase, instala em Gaia, onde produz casacos de pele de coelho, "a loucura" de então.
Dois anos depois, fixa-se no Porto e, com o negócio a crescer, adquire, em 1983, as atuais instalações, junto à Escola Aurélia de Sousa e com uma área quase dez vezes superior à da primeira unidade. É aqui que começa a trabalhar com couro, e hoje desenha e fabrica casacos de pele de píton, de vison, chinchila e raposa - como um que conta ter feito para Maradona -, entre outros, e aposta na diferenciação dos produtos.
Só 20% da produção é para o mercado nacional, que "está muito difícil". O resto é exportado para países como Dinamarca, Inglaterra, França ou Israel. A Jopel chegou a empregar 50 pessoas; hoje são 14. Paulo Silva, sobrinho de Jorge e trabalhador desde a primeira hora, é o mais antigo. Paula Maximiano recorda, enquanto cose um casaco de vison, que começou a trabalhar ali com 15 anos, mais um do que o colega.
Outros exemplos
Fábrica de Tecidos Invicta: fundada em 1876, é das mais antigas em laboração no coração do Porto. Dedica-se ao fabrico de fitas e cordões.
Fábrica de Papéis Pintados da Foz: nasceu em 1887, na Foz, mas atualmente funciona na Rua de Pedro Hispano, onde produz papéis, como o das serpentinas e confetes.
Fábrica Nacional de Molas: também conhecida como Fanamol, foi criada em 1932. Tem unidade de produção na zona da Boavista.
Colossus: tal como a Nortada e a Fábrica da Picaria, é uma das cervejeiras que surgiram no Porto nos últimos anos. Fica perto da Fábrica de Tecidos Invicta, na Rua de D. João IV.