A divulgação pública do plano de reestruturação interna do Santuário de Fátima, que prevê a dispensa de cerca de 50 funcionários, não surpreendeu alguns dos mais de 300 colaboradores do templo mariano que, em surdina, vinham manifestando apreensão quanto à sustentabilidade financeira da instituição.
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Os investimentos em pessoal, obras, serviços, atividades culturais e aquisição de obras de arte feitos ao longo dos últimos anos deixavam antever este desfecho. "A covid-19 só veio apressar uma coisa que já se temia a médio prazo", desabafou ao JN uma fonte ligada ao Santuário.
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Um dos sinais de que algo podia não estar a correr bem com as contas da instituição foi notado no ano passado, quando começaram a ser feitos peditórios nas missas ao fim de semana (o que não sucedia há vários anos). E foi posta a circular uma carta entre o clero da diocese de Leiria-Fátima, manifestando indignação com os salários auferidos pelo reitor e vice-reitor do Santuário, muito acima do recebido pelos outros sacerdotes (cerca de três vezes mais).
Já em 2017, no rescaldo das comemorações do Centenário das Aparições, havia soado outro sinal de alerta. O então administrador do Santuário, padre Cristiano Saraiva, bateu com a porta sem estrondo, mas com uma mensagem de aviso.
Administrador alertou
Numa missiva enviada aos seus pares, o sacerdote justificava o pedido de demissão com o facto de ter visto "esvaziadas as funções do cargo" e lhe terem sido retiradas, paulatinamente, "as normais condições" para o desenvolvimento do seu trabalho de administrador.
O padre nunca se quis pronunciar publicamente sobre as razões da sua saída, mas o JN sabe que um dos motivos do seu agastamento se prendia "com o aumento dos gastos correntes e o sucessivo desrespeito pelos orçamentos anuais".
Como o Santuário não divulga as contas há 14 anos, é preciso recuar no tempo para perceber a origem deste aumento de despesas, que agora ameaça a sustentabilidade financeira da instituição. Em 2005, por exemplo, o quadro de pessoal tinha cerca de 150 trabalhadores. Atualmente, este número situa-se nos 308.
A somar a este aumento de funcionários, justificado com o melhoramento dos serviços prestados aos peregrinos, houve uma reorganização de serviços, com a criação de departamentos e a nomeação dos respetivos diretores, coadjuvados por coordenadores. Neste momento, sem contar com os serviços da reitoria, há 10 departamentos, responsáveis pelas áreas do acolhimento, segurança, liturgia, alojamento, construção e património, entre outras.
Se em 2005 (data das últimas contas conhecidas) os custos com os serviços de administração rondavam os 4 milhões de euros, terão disparado para perto do dobro com as novas contratações e o aumento dos custos fixos. Isto quando os donativos deixados pelos peregrinos ter-se-ão mantido na ordem dos 9 milhões de euros anuais nos últimos anos, segundo declarações do reitor do templo. Este ano, segundo informação revelada ontem pelo Santuário em comunicado, caíram 77%.
Com a quebra das receitas, e as previsões de que as restrições sanitárias se vão prolongar nos próximos meses, caiu por terra o otimismo de D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, quando, em maio, dizia que "o Santuário tem uma sustentabilidade económica para poder pagar o vencimento dos seus funcionários" e que era "uma questão de honra, não despedir nem recorrer ao lay-off".
Reação
Instituição diz que quer evitar despedimentos
O Santuário não quis comentar as opções de gestão denunciadas ao JN mas, em comunicado, assegurou que irão ser feitos "todos os esforços para encontrar soluções que não impliquem despedimentos". Esclareceu que se manifestou disponível para conceder licenças sem vencimento e garantir o atual rendimento até à data da reforma aos funcionários que estejam próximos da aposentação e aceitem rescindir amigavelmente, seguindo a lógica da doutrina social da Igreja.