Projeto de recolha quer preservar património cultural de Paredes e levá-lo aos mais jovens.
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Tem 91 anos. Sorri como uma jovem. O cabelo é branco, o rosto marcado. E apesar de dizer que já não tem a voz que tinha, ligado o microfone entoa cantigas de outros tempos sem medos. A meta: preservá-las para que não sejam esquecidas. "Tenho todo o vagar do Mundo". Ludovina Fonseca está a colaborar com um projeto de cancioneiro criado em Paredes que recolhe não só músicas antigas, como também lengalengas, mezinhas ou jogos tradicionais.
Tiago Magalhães, professor de música, arrepende-se de não ter registado os versos e as histórias que a avó costumava contar. Agora, o professor de música tem-se dedicado a recolher memórias. O projeto foi integrado no programa municipal Culturinha Sai à Rua.
Tiago começou com a mãe, em outubro passado. Estava-se em confinamento. "Disse-me "oh mãe vais cantar as cantigas antigas que tu sabes". Eu fui cantando as que vinham à memória", relata Ana Rita Marques, de 74 anos, vida marcada pela presença da música. "Quando éramos pequenos a ida para a escola, a pé, descalços e cheios de frio, era feita a cantar". O mesmo se passava quando costurava, nos serões de desfolhadas ou espadeladas. "Antes fazia-se tudo a cantar".
E as canções de que se lembra são muitas. Desde o "Olha o gaio, olha o gaio, dai-lhe um tiro e matai-o. Olha o gaio, riu piu piu" até ao "O meu amor é chofer. Oh rosa, ti po toca na buzina. Oh rosa, oh linda rosa, oh rosa, oh linda menina".
Gosto pela música
Ludovina nasceu na Régua, mas viveu em Paredes quase toda a vida, dedicada ao campo e à criação dos filhos: teve 13 (agora são 10), 24 netos e 14 bisnetos. Também ela fala do gosto pela música. Tanto, que as cantigas de antigamente tinha-as escritas num caderno, que não sabe onde guardou. Mas na memória guarda um vasto espólio, sobretudo dos fados que ouviu da mãe: "Andava-se sempre a cantar. No campo, a lavar, a varrer..."
"És para mim a mais bonita, apesar de enrugado esse teu rosto, serás até morrer mãe infinita, aquela e sempre aquela que mais gosto", canta. Levanta-se e vai buscar um caderno com provérbios, esse não perdeu. "Respeita a velhice, é depositária da experiência", lê, resumindo todo um projeto.
E é para não perder a experiência adquirida que Maria José Ribeiro, de 66 anos, tem anotado tudo o que vai aprendendo da arte do talhar. "Acredito e faço para mim e para os outros". É algo que a acompanha há 40 anos e que já ajudou familiares e vizinhos. Vai do talhar da dada, das más, até ao do unheiro, da febre aftosa ou do tesorelho. Todas as mezinhas implicam dizeres normalmente repetidos nove vezes e em três dias. O final é comum a quase todos: "em louvor de S. Silvestre, o que eu faço tudo preste. Nosso Senhor Jesus Cristo seja o verdadeiro mestre". "Guardo tudo numa capa para a minha filha saber quando precisar. É importante registar para que não se perca", defende.
Tiago Magalhães faz a recolha em áudio e vídeo e depois transcreve para partituras, na maioria melodias com menos de um minuto. O projeto está no início e deve durar dois anos.
Isolamento
Este projeto integra o Culturinha Sai à Rua, da Câmara de Paredes, e quer também combater o isolamento. "Os idosos têm um conhecimento que não pode ficar perdido no tempo deles", afirma a vereadora da Cultura, Beatriz Meireles.
Acesso livre
O resultado é divulgado na Magazine Cultura em Casa, no site e nas redes sociais do Município. O acesso é livre. Para o futuro, projeta-se um livro.
Apelo
O apelo é para que se gravem as memórias de pais, avós ou tios e se enviem os vídeos, áudios ou textos para o serviço da Cultura. Em alternativa pode ser agendada uma recolha.