"Antes do acidente, em Penafiel acordei e vi que estava nevoeiro, depois voltei a adormecer. Não me lembro de mais nada". As palavras são de Paulo Pereira, um dos sobreviventes do acidente na A4 que, anteontem, matou cinco trabalhadores do Marco de Canaveses.
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Paulo falou ao JN ao final da tarde de ontem, já depois de três dos seus amigos terem sido sepultados. A dor tomou conta do Marco de Canaveses, numa tarde que se tornou ainda mais gélida do que os quatro graus que marcavam os termómetros. Hoje, serão enterradas as outras duas vítimas mortais. Paulo não pode despedir-se dos amigos que com ele partilhavam, há anos, o banco da carrinha de "caixa aberta" em que iam para as obras. "Íamos todos a dormir quando a carrinha bateu...", lamenta Paulo Pereira.
Em Maureles, até o presidente da Câmara e uma vereadora foram despedir-se de Abílio Rocha. Paulo não foi. Irritado, o suor inundava-lhe o longo golpe na cabeça que, na véspera, havia sido suturado pelos médicos do Hospital de S. João. As pernas também cambaleiam. A mulher, Julieta, ampara-lhe todos os movimentos, sob o olhar inocente da pequena sobrinha. Os filhos, de 11 e 14 anos, nem por isso deixaram de ir às aulas. À noite, por certo, receberão o conforto possível.
"Estou muito triste" - o mesmo sentimento de Paulo percorre toda a sua freguesia de Soalhães. E Ariz e Paço de Gaiolo, as terras afectivas de Leonel Sousa, 29 anos, onde o electricista planeava ser pai. O sonho, tal como a vida do jovem, jaz agora, no cemitério de Paço de Gaiolo. Carlos Freitas, 32 anos, também sepultado ontem, deixou em Tabuado um enteado novamente sozinho com a mãe. O menor já tinha perdido o pai. Agora perdeu o padrasto.
Fernando Barros perdeu o irmão António, que levava ao seu lado na carrinha que conduzia em direcção ao Porto. De agora em diante, Fernando terá de dividir a dor com os dois sobrinhos, de 13 e 17 anos, que com ele partilham o lugar de Lardosa.
Fernando está perturbado. A família protege-o. Terá confessado a familiares que o acidente terá sido provocado "porque não conseguiu ultrapassar o camião que estava parado na via". "Deu o sinal de pisca, mas no momento que ia ultrapassar, um carro aproximou-se pela sua esquerda, impedindo-o de fazer a manobra. Bateu na traseira", conta o amigo, Manuel Monteiro, dono de um restaurante em Soalhães.
No mesmo prédio chora-se a morte de Marco André. Ele que "era alegria em pessoa". Era músico. Com a mulher, dava voz à "Banda Flash". A filha, uma menina com quatro anos, ainda estará muito longe de perceber o que está a passar-se.
Futuro incerto
Se o presente é duro, o futuro que por aí virá, a quem por cá ficou, é incerto. Francisco Teixeira, pai da viúva de Abílio Rocha, teme por ela e pelos dois netos, de três e seis anos: "Ele até teria um bom ordenado. Mas sabe como é, os descontos eram pelo mínimo. A reforma por viuvez será uma miséria. A minha filha trabalha numa fábrica de malhas, ganha à volta de 400 euros".
"É um desespero", sintetiza a mulher do Paulo, que não sabe se a empresa Batimento vai continuar a dar emprego ao marido. "Ele, o patrão, perdeu cinco trabalhadores, dois dos quais, um sobrinho, André, e um cunhado, Leonel", explica. A tragédia ainda podia assumir contornos de maior dimensão. A empresa tinha nove funcionários. Um deles, Marco, está de férias. Foi à Alemanha passar o Natal e agora está no Brasil. "Escapou de boa", desabafou Paulo Pereira, conhecido em Soalhães pela alcunha de "Romeu".