Doze idosos que participam no projeto nunca se cruzaram antes, apesar de viverem todos na zona de Campanhã. Têm entre 70 e 88 anos.
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Viveram quase sempre na mesma zona da cidade, mas nunca se conheceram. A cidade é grande e a vida destes 12 idosos nunca se cruzaram. É o teatro que agora os coloca frente a frente a questionar: quem sou eu? Um projeto de expressão artística com marionetas que serve de veículo de desenvolvimento físico, cognitivo e também de inclusão prestado na Associação das Escolas Jesus, Maria, José do Monte Pedral pelo Teatro de Marionetas do Porto.
Têm entre 70 e 88 anos e muitos já tinham feito teatro. Uns quando andaram na escola, outros mais tarde, em grupos amadores. É o caso de Adelaide que, apesar de modista, foi representando num grupo de bairro do Porto. Recorda êxitos como a comédia "Ressonar é dormir" ou o drama "Pena de morte". Tinha na altura 34 anos. Hoje tem 82 e é utente do centro comunitário Casa Jesus, Maria, José do Monte Pedral, criado a partir da adaptação e restauro de antigas instalações escolares, sendo um espaço multifuncional e multidisciplinar com cerca de mil e duzentos metros quadrados e com valências de centro de dia, serviço de apoio domiciliário, cantina social e incubadora social.
Cidades amigas
O projeto "Quem sou eu?" nasceu no contexto da adesão do Município do Porto à Rede Mundial das Cidades Amigas das Pessoas Idosas foi implementado em 2018 e nesse ano teve a sua primeira edição na freguesia de Campanhã. O sucesso e a adesão foi tão grande que dois dos utentes septuagenários conheceram-se durante os ensaios e casaram.
No Monte Pedral, Joaquim, com 80 anos, é o único homem participante e não está disponível para "essas aventuras" até porque a mulher, embora não entre na peça de teatro, frequenta o centro e está vigilante. O sucesso entre as companheiras é evidente. Joaquim foi, entre muitas profissões, feirante durante mais de 30 anos, vendendo roupa de senhora. "Ele gostava era de tirar as medidas às senhoras!", diz Adelaide, percorrendo com as mãos as curvas do seu corpo.
Todos riem pois comunicar através da linguagem corporal é importante na expressão teatral. Isabel Barros, a professora do Teatro de Marionetas que dirige o curso desta terceira edição confirma. "O importante é trazer para a peça todas estas histórias de vida e trabalhar a individualidade de cada um", explica. O trabalho artístico passa pelo desenho da marioneta, do figurino, escrita, modelação da marioneta, trabalho de voz e texto, técnicas de manipulação, trabalho físico e improvisação.
A peça tem também banda sonora original e músicas e canções que fizeram sucesso noutros tempos e que ainda estão bem presentes na memória de Delfina, de Joaquim, de Virgínia, de Adelaide, de Ana Maria, de Elisa, de Emília, de Margarete, de Rosa e de Alice Rios, uma das primeiras mulheres jornalistas a trabalhar na redação do JN e que agora, aos 70 anos, participa nas atividades do centro.
"A pandemia foi muito prejudicial para eles, por os obrigar a estar fechados, sozinhos e sem convívio de ninguém. Muitos deles ficaram mesmo doentes e afetados psicologicamente", conta a professora. Rosa, de 79 anos, foi das que mais sofreu. "Tinha ataques de pânico e cheguei a estar acamada", recorda. Mistério, purgatório, praga, redenção, martírio são palavras usadas por estes idosos para classificar a atual fase da vida condicionada pela covid-19.
De acordo com a Câmara do Porto, os ensaios vão prosseguir até outubro estando previsto um espetáculo de apresentação da peça à cidade no final do ano.