Há seis anos, quando os meninos do Cross Stars começaram a treinar os primeiros golpes de kickboxing em salinhas improvisadas a fazer as vezes de ringues, ninguém imaginava que o projeto de inclusão social pelo desporto pudesse conquistar títulos mundiais.
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Ou superar o sonho de Luís Ferreira, o treinador que na juventude encontrou naquela modalidade um amparo para lidar com os dramas de um ambiente familiar marcado pelo alcoolismo e violência do pai.
Luís, que hoje tem 42 anos, queria muito poder dar a mesma oportunidade a outros jovens, e, em 2012, o enorme sucesso das aulas de verão de kickboxing para as crianças acompanhadas pela Cruz Vermelha da Trofa foi o pretexto perfeito para ele e a mulher, a também treinadora Nádia Barbosa, desafiarem a instituição a criar um programa idêntico destinado a jovens carenciados.
Mas o projeto, batizado de Cross Stars - Inclusão pelo Desporto e único da instituição a nível nacional, voou mais alto, vencendo fronteiras e trazendo medalhas de campeonatos mundiais. E já vai em três - duas de bronze e uma de ouro -, a medida do orgulho da Cruz Vermelha e do casal de treinadores que é voluntário e parceiro na iniciativa através da escola que fundou, a Life Combat.
As estrelas da cruz
Depois de, em 2016, as irmãs Vanessa e Vera Soares conquistarem em Dublin, na Irlanda, as medalhas de ouro e bronze, respetivamente, no Campeonato Mundial de Kickboxing, em setembro passado foi a vez de Artur Karlov, de 15 anos, trazer de Itália outro bronze (ler caixa).
"O projeto alcançou um estatuto a nível desportivo que nunca pensamos. Isto nasceu para ser um projeto social, e alcançar medalhas quando o objetivo é este é ultrapassar todas as expetativas e é um orgulho", confessa Carla Lima, coordenadora da delegação da Trofa da Cruz Vermelha. "Eles são as "estrelas da Cruz [Cross Stars]", e as medalhas têm sido um complemento do trabalho de inclusão que é feito, mas não é para o que trabalhamos", clarifica.
"Nunca pensamos entrar em competição com eles, mas vimos muito potencial neles", conta o treinador, lembrando que o projeto "foi crescendo", contando hoje com 25 inscritos, entre os 4 e os 18 anos. "Nasceu com cariz social, e depois veio a parte desportiva. Estes miúdos nunca ganharam nada, e com isto começaram a ser mais respeitados. Eles eram aquelas pessoas que estavam de lado na sociedade".
Luís Ferreira sabe bem do que fala: "Se não tivesse passado o que passei na vida, nunca teria montado um projeto destes. É fundamental [a experiência] para podermos compreendê-los".
Artur supera Batalhas desde a infância
Artur Karlov - nacionalidade portuguesa; ascendência russa paterna e ucraniana da parte materna - vibra com o kickboxing, que é "paixão pura" para este campeão nacional e mundial de 15 anos, de S. Romão do Coronado, Trofa. A infância foi vivida sob a ameaça de não conseguir andar. Teria pouco mais do que cinco anos quando ficou "dois anos na cama", porque "a cartilagem da anca ficava moída". Valeu-lhe uma terapia num hospital ucraniano junto ao mar e com camas no exterior, para que o iodo regenerasse a cartilagem.