A Junta de Freguesia do Beato afirmou, ontem, que não pode continuar a ser "um depósito de sem-abrigo", manifestando-se contra a decisão da Câmara de Lisboa de transferir mais pessoas nesta situação para esta parte da cidade ainda este mês.
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O presidente da junta, Silvino Correia, disse ao JN que "é um erro concentrar todos no mesmo sítio" e que a comunidade "está apreensiva" uma vez que têm vindo a aumentar os problemas relacionados com quem vive na rua. A câmara disse ao JN que não vai comentar.
O presidente da autarquia, Carlos Moedas, anunciou, este mês, que o novo centro de alojamento para pessoas em situação de sem-abrigo na ala norte da manutenção militar, no Beato, abriria "por volta da Páscoa" para acolher os sem-abrigo que estão atualmente no Quartel de Santa Bárbara, em Arroios. O equipamento provisório foi criado em 2021, por causa da pandemia covid-19, mas a Fundiestamo, empresa que gere o património público, pediu à câmara para desocupar o quartel para ali ser construída habitação para arrendamento acessível, obrigando o município a procurar alternativas.
A solução encontrada não agradou a Junta do Beato, que ontem reagiu à intenção de transferência "de mais de uma centena de pessoas" para a freguesia onde já existem três equipamentos com capacidade para 431 sem-abrigo.
Comunidade apreensiva
"Já há uma grande concentração de sem-abrigo neste território e consideramos um erro concentrar estas pessoas todas no mesmo sítio. Alguns deles andam pela freguesia durante o dia e fazem necessidades na via pública, houve assaltos numa loja, situações que se têm agravado nas últimas semanas e fazem com que a população se revolte contra esta ideia de ainda termos mais", diz ao JN o presidente da Junta do Beato.
Silvino Correia está ainda preocupado com a proximidade do novo local escolhido para acolher sem-abrigo de uma escola básica. "A comunidade escolar está apreensiva, sente insegurança", diz o autarca, que garante "não existirem motivações políticas" nesta posição que "reflete o sentimento global da população".
Américo Nave, diretor da Crescer, associação que apoia sem-abrigo, lamenta que "se continue a olhar para esta questão da forma menos correta". "Estas pessoas já estão numa situação de extrema vulnerabilidade e depois a sociedade olha-as com grande estigma. São as maiores vítimas de insegurança, de agressões de outros cidadãos que não querem que estejam ali e de repressão policial. É difícil encontrar cidadãos que sejam vítimas de tanta agressão como os sem-abrigo", alerta.
Fenómeno aumenta em Lisboa
As associações que apoiam sem-abrigo estão preocupadas com o aumento das pessoas que vivem na rua, que, estima o diretor da Crescer, subiram de 500 para 800. Segundo a Comunidade Vida e Paz, "têm vindo a aumentar em vários locais da cidade", tendo esta associação "uma enorme preocupação com a realidade atual". Se considerarmos as que dormem em centros ou albergues estes números sobem para perto de 4000.
Ambas consideram que tem de existir "um forte investimento na prevenção e intervenção" e as respostas "devem ser replicadas". "Sabemos como se resolve, é só uma questão de investimento e vontade", conclui Américo Nave.