O coração do Porto voltou a bater mais forte com a reabertura, nesta quinta-feira, do Mercado do Bolhão. Foram 1600 dias fechado. Quatro anos, quatro meses e 17 dias de espera. Qualquer coisa como 38400 horas de ansiedade, que em alguns momentos gerou mesmo dúvidas de que fosse possível o edifício, classificado como monumento de interesse público, reabrir.
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Adepto da pontualidade, cinco minutos antes da hora prevista, Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, abria os portões do mercado, pela Rua de Fernandes Tomás, para às oito em ponto tocar o sino, marcando o arranque do renovado espaço, que o autarca espera que seja "um Bolhão para sempre". Logo uma multidão tomou de assalto o primeiro patamar, acotovelando-se à procura da melhor vista. Ouviram-se as primeiras palmas, e alguém gritou "lindo!", como se de repente o mais raro dos diamantes fosse exposto pela primeira vez.
Júlia Brandão, de 72 anos, cliente do Bolhão há 37, saiu de casa, em Rio Tinto, Gondomar, "às 7.15 horas". O pequeno-almoço já o tomou no Porto, na confeitaria mesmo em frente ao mercado, para não perder a oportunidade de o visitar "mal abrisse". "Tinha o hábito de, antes de ir para casa, por volta das duas da tarde, vir aqui e comprar fruta à Paulinha. Mas as condições em que os comerciantes estavam eram uma vergonha. Ainda cheguei a ir ao mercado temporário, mas não era a mesma coisa", confessou. A conversa acabou abafada pelo toque do sino. As palmas dobraram o tom e as lágrimas foram caindo dos rostos de quem chegou a perder a esperança.
"É uma emoção difícil de conter, principalmente porque estou com pessoas que no início achavam que não era possível. Achavam que era mais uma promessa e hoje [ontem] sinto aquela sensação de que valeu a pena", confessou Rui Moreira, emocionado. Logo foi abraçado por Sara Araújo, peixeira há mais de 30 anos, que no novo Bolhão conseguiu expandir a banca e ter a filha, homónima, a assegurar o futuro do negócio. "Obrigada por tudo! Precisávamos de um homem como o senhor presidente para isto acontecer", sentenciou.
Mais uns passos à frente e, junto à escadaria, dá-se o encontro do Bolhão com a cidade, que abraça o mercado, percorrendo os corredores, infiltrando-se em cada nova esquina, indo atrás das caras de outrora e das novas, que também se desfazem em sorrisos.
Uma multidão tomou conta do Bolhão. Nas primeiras cinco horas de funcionamento, até às 13, passaram pelo mercado 20 mil pessoas, contabilizou a Autarquia. A meio da tarde, Pedro Abrunhosa surpreendeu os presentes com um momento musical.
Fernanda Silva, conhecida vendedora ambulante da Rua de Santa Catarina, também foi conhecer o renovado Bolhão. "Está muito giro!", disse, rendida ao facto de "agora se poder fazer compras nas bancas sem ninguém se molhar". Já Marília Brandão, de 80 anos, que deixou de vender galinhas e coelhos "quando o velho Bolhão fechou", fez questão de visitar "as amigas". "Estava com um formigueiro... tive de vir!", referiu, de sorriso no rosto, dizendo que o novo mercado lhe encheu "as medidas".
Com o colorido das frutas e castanhas do tamanho quase de tangerinas, Paula Viana, da Frutaria do Bolhão, o marido, Rui, e a filha, Rita, viram-se surpreendidos com tantos pedidos, "Saímos daqui às onze da noite, para ter tudo pronto, e entramos às 6.30 horas, mas estou tão feliz que até já chorei", contou
A mesma emoção foi partilhada pelo amolador André Fernandes, que segue as pisadas do avô, José, e do pai, Frederico: ""É muito bom estar de volta, é um novo desafio". No meio da confusão alguém fez o reparo: "Está tanta gente aqui a comprar que até parecem aqueles dias de Natal".
Vendedora antiga
Amélia foi pela mão da mãe e lá continua há quase 40 anos
"Vim pela mão da minha mãe, já estou viúva há 32 anos e o meu marido ainda chegou a vir para aqui, por isso está a ver quantos anos tenho de Bolhão", disse Amélia Babo, emocionada com o regresso e "nervosa" com tanta clientela à espera. Não tem mãos a medir, mas faz questão de devolver o troco sempre com uma palavra amiga: "Espero voltar a vê-los!". A vendedora de pão diz que foi das que acreditaram "sempre" que voltava ao mercado, que está "a maior riqueza da vida".
Vendedor estreante
Produtor de Amarante concretiza um sonho
Estreante Pedro Catão, 47 anos, estreante no Bolhão, sente que está a realizar "um sonho". Produtor de duas espécies de cogumelos - os shiitake (a 9,55 €/kg) e os pleurotus (8,50 €/kg) - desde 2011, em Amarante, o vendedor não esconde a felicidade de ter a sua banca no espaço que, por si só, "é a alma do Porto". O processo de seleção "foi complicado", a que se juntou uma hasta pública. Mas lá acabou por ver ser-lhe atribuído o espaço, onde conta com a ajuda da mulher, Marta, e da filha, Inês.
Para saber
Abertura progressiva
No dia da abertura, os restaurantes (no piso superior) e a maioria das lojas no exterior não abriram. Segundo a Câmara do Porto, "os restaurantes estão todos atribuídos, mas irão abrir progressivamente, aquando da conclusão das obras no seu interior". O mesmo acontecerá com as lojas.
Horários de funcionamento
O horário de funcionamento do mercado será entre as 8 e as 20 horas, de segunda a sexta-feira. Ao sábado, o encerramento é às 18 horas, fechando ao domingo. Os restaurantes trabalharão de segunda a sábado, entre as 8 e a meia-noite.