Espaços destinados em específico a turistas, que durante os confinamentos perderam quase toda a clientela, estão a descaracterizar os modelos tradicionais dos negócios de rua no Porto.
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O regresso do turismo ao Porto, verificável com mais incidência desde o início do ano, trouxe com ele a reabertura de lojas destinadas em específico aos visitantes internacionais da cidade. Depois de um período delicado durante a pandemia, quando o negócio foi reduzido praticamente a zero por falta de clientes, o cenário alterou-se com o multiplicar de casas do género abertas pela cidade.
Ninguém sabe ao certo quantas existem, admite a própria Associação dos Comerciantes do Porto (ACP) - ler minientrevista na página ao lado. "Vão abrindo e fechando a um ritmo considerável e tomando o lugar de estabelecimentos tradicionais que não aguentaram a crise, antes e depois da pandemia, e que acabaram por fechar as portas", critica Joel Azevedo, presidente da ACP.
A verdade é que proliferam nos locais da cidade onde a abundância de turistas é maior. Basta percorrer áreas como a Baixa, a Estação de São Bento, a Rua das Flores, a Rua de Santa Catarina, os Clérigos ou a Ribeira para as encontrar com facilidade. Vendem de tudo alusivo ao Porto e pouco se distinguem pela diferença de oferta. "No fundo, acabam por prejudicar o rosto tradicional do comércio do Porto. As lojas são um património histórico da cidade, como os museus ou os monumentos. E estão a tornar-se todas iguais, acabando com as singularidades que as caracterizavam", sublinha Joel Azevedo.
"Este não é um problema específico do Porto, é comum a todas as cidades turísticas, seja em Portugal ou no estrangeiro", considera, por seu lado, Luís Carvalho, professor na Faculdade de Economia da Universidade do Porto (UP).
"O tipo de dimensão que atingiu este fenómeno torna difícil levar a cabo um mecanismo de regulação, não há muito a fazer. É uma estrutura pesada e delicada", define.
Atrativo só para turistas
Para Luís Carvalho, o problema da proliferação deste tipo de comércio é que "torna as partes das cidades onde ele está inserido pouco apelativas para os residentes locais, embora bastante atrativas para quem as visita, os ditos utilizadores flutuantes".
Rio Fernandes coordena desde 2012 um projeto de monitorização dos estabelecimentos da Baixa direcionados ao turismo, levado a cabo pelo Departamento de Geografia da UP. E não tem dúvidas: "Ao longo da última década o perfil do chamado comércio tradicional tem sido descaracterizado".
Os estudos levados a cabo pela equipa de Rio Fernandes dão conta de uma "rotação significativa do perfil das lojas e de uma orientação específica para o setor turístico". Tem-se verificado, ainda, "a abundância de estabelecimentos que vendem produtos pretensamente típicos a baixo custo, fabricados em países como a China, o que leva a uma standardização da oferta".
Além disso, verifica-se, diz o investigador da UP, "o desaparecimento do comércio tendente de rua". Ou seja, aquele que é explorado pelo próprio proprietário.
Estudo
2021
foi o ano em que arrancou um projeto de monitorização do comércio na Baixa. Desde então, verifica-se uma alteração profunda dos modelos de negócio.
Em alta
Números desconhecidos
Não existe qualquer registo oficial do número de estabelecimentos comerciais cujos produtos se destinam essencialmente a turistas na Invicta. Isso mesmo foi garantido ao JN pela Associação dos Comerciantes do Porto (ACP).
Arrendamentos proibitivos
A ACP lamenta que o "elevado valor das rendas praticadas nos principais pontos turísticos do Porto" contribua para o encerramento de lojas de comércio tradicional, entretanto substituídas por outras de caráter mais generalista e com foco nos clientes internacionais.
Regresso em massa
Dados publicados esta semana pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmaram que o Porto e o Norte foram das regiões mais procuradas por turistas durante o período de Páscoa.
Subida
Ainda segundo o INE, a taxa de ocupação por quarto no Porto subiu 52,3% em abril, em comparação a igual período de 2021.
Retoma
Centro Histórico
As lojas de souvenirs concentram-se, em grande parte, no Centro Histórico do Porto.
Turistas
Os responsáveis por estes estabelecimentos confirmam que os turistas são o grosso da clientela, cerca de 90%.
Pandemia
Durante o período mais crítico da pandemia, o negócio foi reduzido praticamente a zero.