O número de casos de tuberculose caiu em 2020, mas Portugal continua a ser o país da Europa Ocidental com taxas de incidência mais elevadas.
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Foram registados 1465 casos, o que corresponde a uma taxa de notificação de 14,2 por 100 mil habitantes, diz o último Relatório de Vigilância e Monitorização da Tuberculose em Portugal. No país, Penafiel (59,5 casos/100 mil habitantes) e Marco de Canaveses (56,9 casos 100 mil habitantes) são os concelhos com maior incidência, atribuída à silicose e ao consumo de álcool.
E porque os trabalhadores da indústria da pedra têm um risco acrescido de contrair a doença, desde 2018 que um projeto, que envolve as unidades de saúde pública dos Agrupamentos de Centros de Saúde do Vale do Sousa Sul e do Baixo Tâmega e o Programa Nacional para a Tuberculose, procura reduzir a incidência da doença nas empresas destes concelhos, assim como o controlo da silicose.
O "Menos Tuberculose Pedreiras" tem apostado no "rastreio sistemático de tuberculose (doença e infeção)" e na formação dos profissionais dos Serviços de Saúde do Trabalho de modo a "disseminar" boas práticas de vigilância da saúde dos trabalhadores.
1466 rastreios
Em 2018, 2019 e 2021 (em 2020 houve uma pausa devido à pandemia), foram realizados 1446 rastreios no local de trabalho em 10 empresas de extração e transformação da pedra destes concelhos, explicam Ana Sofia Sousa e Catarina Magalhães Alves, da equipa gestora do projeto. Isso permitiu detetar casos de tuberculose precocemente e reduzir contágios na comunidade. "Em 2018 e 2019, diagnosticou-se tuberculose/infeção em 18% dos trabalhadores rastreados" que iniciaram tratamento preventivo, o que reduz o risco do "desenvolvimento de tuberculose/doença", frisam.
A Avessado Granitos, do Marco de Canaveses, foi uma das empresas que aderiram a este projeto, adotando o rastreio anual, com exames específicos, e ainda mais cuidados na higiene e segurança. "Atrás da sílica vem sempre a tuberculose. O projeto devia chamar-se "menos silicose nas pedreiras". Não haveria nem metade dos casos de tuberculose se houvesse prevenção da silicose", defende Emílio Melo, de 50 anos, fundador da empresa, que agora é gerida pelas filhas.
"Comer pó"
Ele, que trabalhou desde os 15 anos na indústria da pedra, em tempos em que não existiam cuidados, informações ou máscaras, "comeu muito pó". Em 2018, ao jogar futebol, notou um cansaço estranho. A seguir veio febre. Os exames levariam ao diagnóstico de tuberculose ativa juntamente com pneumonia aguda. Acabou internado e teve mesmo de drenar líquido dos pulmões. Saiu do hospital a tomar 12 comprimidos por dia durante três meses e, depois disso, um comprimido por dia até se completar um ano.
Padece de silicose progressiva e o mais certo é ir para a fila de transplantes, conta. Viu morrer um funcionário com tuberculose porque "não tomava a medicação, bebia e fumava".
"É importante fazer os exames todos, sobretudo o IGRA (que deteta a doença). A prevenção é fundamental", garante Emílio Melo. "Mais de 80% das empresas desta área não cumprem as regras", lamenta.
"É preciso mais fiscalização e é preciso que deixe de ser tabu. Muitos escondem que estão com tuberculose e põem os outros em risco", sublinha.
Rastreio identificou 25% de infetados
No Norte de Portugal, localiza-se o maior número de empresas do setor da extração e transformação da pedra, sendo nas freguesias dos concelhos de Penafiel e Marco de Canaveses que estão instaladas as mais afetadas pela tuberculose, dizem as gestoras do projeto. "A silicose pode aumentar o risco de uma pessoa desenvolver tuberculose em 20 vezes. Em 2018 e 2019, no âmbito do projeto, identificou-se silicose em 25% dos trabalhadores rastreados. Portanto, apesar de se saber, há décadas, como se previne a silicose, esta continua a ocorrer e, com ela, o risco de tuberculose para esta população vulnerável e para toda a comunidade", advertem. Quando se acrescentam outros fatores como o consumo de álcool, o tabagismo, a infeção por sida, a má nutrição ou a diabetes, o risco aumenta.