Um menino autista que frequenta a Escola Básica de Sendim, em Matosinhos, conseguiu escapar pelo portão principal do estabelecimento e andou por ruas movimentadas, correndo o risco de ser atropelado. O incidente foi protagonizado em outubro por Diogo Veiga, de 6 anos, e desde então os pais têm-se desdobrado em diligências para que seja garantida a segurança, mas estão a esbarrar na falta de respostas, devido à escassez de funcionários.
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O caso passou-se no dia 14 de outubro. Com a ideia de ir comprar um produto ao supermercado que fica a 200 metros da escola, Diogo viu-se de repente no meio do trânsito e só com a intervenção de várias pessoas, que fizeram abrandar os carros, é que se evitou o pior. A criança só parou no destino pretendido e acabou por regressar à escola pela mão de uma auxiliar.
Segundo testemunhas, o menino chegou a bater com os joelhos num motociclo, cujo condutor se apercebeu que ele "ia atravessar sem qualquer noção do perigo e que se encontrava visivelmente desorientado", disse ao JN Joana Carvalheiro, a mãe. Diogo é autista não verbal, pelo que o motociclista, que tentou ajudá-lo fazendo perguntas, seguiu-o até ao supermercado e aguardou que chegasse alguém da escola.
Este episódio, prossegue a mãe, "só não terminou de forma trágica por um acaso de sorte". Depois disso, Diogo já tentou sair da escola outra vez.
Diogo frequenta o 1º ano. Quando estava no pré-escolar, o relatório técnico-pedagógico já apontava, segundo a mãe, para "a necessidade de um assistente operacional só para ele", mas não foi atribuído, por não ter sido validado pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGESTE). Apesar de o atual relatório reconfirmar essa necessidade, a situação mantém-se.
Segundo Paulo Gaspar, diretor do Agrupamento de Escolas Irmãos Passos, a que pertence e estabelecimento em causa, a DGESTE só se pronuncia sobre a contratação de um assistente específico no pré-escolar. A partir do 1º ano do Ensino Básico, "a responsabilidade é da Câmara de Matosinhos", referiu-nos.
O problema está na falta de assistentes operacionais em todo o agrupamento, que é composto por nove escolas. A de Sendim devia ter sete pessoas para a função, mas, devido a baixas médicas, de momento tem apenas cinco. Segundo aquele responsável, no conjunto de estabelecimentos há nove pessoas com baixa de longa duração. Por outro lado, ao todo são seis os meninos, incluindo o Diogo (caso único na sua escola), a precisar de acompanhamento especial.
Paulo Gaspar é peremptório: "Não temos capacidade de alocar um funcionário a cada menino que precise de acompanhamento permanente". Reconhecendo que o aluno em causa "precisa de uma vigilância mais apertada", acrescenta: "Se eu pudesse, punha um funcionário com o Diogo".
Os assistentes operacionais são contratados pela Câmara, que os atribui às escolas consoante o número de alunos. Em comunicado enviado ao JN depois de um pedido de esclarecimento, a Autarquia começa por referir que, de acordo com o regime legal em vigor, a escola de Sendim tem direito a cinco assistentes operacionais (dois no apoio à educação pré-escolar e três no apoio ao 1º ciclo), tendo o município alocado mais dois devido às atividades de animação e apoio à família.
"A Autarquia tem uma bolsa de 50 assistentes operacionais que servem exatamente para suprir as falhas existentes nos agrupamentos sempre que há assistentes operacionais a faltar. Mas cabe aos agrupamentos fazer essa gestão e minimizar os danos decorrentes dessas ausências", sublinha o comunicado. Relativamente às nove baixas prolongadas em todo o agrupamento a que Paulo Gaspar faz referência, "o Município colocou seis trabalhadores para suprir estas ausências", lê-se na nota.
A Câmara diz ainda que também cabe à direção do agrupamento "a gestão das ausências de curta duração". Paulo Gaspar confirmou ao JN que na escola de Sendim são três as pessoas nesta situação, mas só foi possível transferir para lá um funcionário de outra escola.
O JN tentou saber se a Câmara tem capacidade para contratar mais assistentes operacionais a breve prazo para a Escola Básica de Sendim, mas não obteve resposta a essa questão em concreto.
Perante a falta de pessoas, o diretor do agrupamento só vê uma solução: "Aguardar que uma ou outra funcionária regresse da baixa", no caso das ausências de curta duração. Lembra que os assistentes estão divididos pelas escolas "consoante o rácio", mas a legislação prevê números e os números são cegos perante as necessidades especiais de certas crianças.
Enquanto isso, os pais de Diogo andam com o coração nas mãos. Nas suas memórias está bem presente o caso do menino autista de cinco anos que morreu atropelado em Gaia, no final de outubro, por ter escapado à supervisão da avó. "Vou trabalhar de manhã e sei que o pai o deixa na escola às 9 horas. Mas eu fico em pânico, sempre à espera que me liguem a dizer alguma coisa", diz-nos Joana Carvalheiro, para acrescentar: "A escola tem o dever de educar mas também a obrigação de proteger e garantir segurança a todos os seus alunos".