Com metade dos edifícios reabilitados, nova estratégia passa por novos residentes e pela redução de carros. Rui Moreira critica Direção-Geral do Património por intervenções "surpreendentes".
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Reabilitada a maioria dos edifícios, a mobilidade passou a ser o novo problema do Centro Histórico do Porto. Quase metade dos prédios foram recuperados nos últimos dez anos, deixando 80% das construções em bom ou médio estado de conservação. Só 6% do edificado está em ruínas. Para o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, o projeto do Ramal da Alfândega, que propõe que, naquele canal, circule um transporte público e a "reserva de metade do Parque do Infante para moradores" vão ajudar a resolver o problema.
Aliás, a nova estratégia para a zona, apresentada ontem na Casa do Infante, fala, precisamente, na necessidade de reduzir a circulação de carros, de promover a pedonalização, dos modos suaves e transportes coletivos.
Para o vereador do Urbanismo da Câmara do Porto, Pedro Baganha, foi o turismo que, mesmo com "alguns lados lunares", "teve, em todo o caso, uma grande virtude: acelerou o reforço de reabilitação urbana". E agora é preciso "investir mais" na "reconquista de novos habitantes", advertiu Rui Loza, arquiteto e coordenador do novo plano de gestão e sustentabilidade do Centro Histórico do Porto, Ponte de Luís I e Mosteiro da Serra do Pilar.
Ao mesmo tempo, não podem ser descuradas as pressões turística e imobiliária "elevadas", alertou o arquiteto. A nova estratégia, a aplicar nos próximos dez anos na zona que celebrou 25 anos como Património Mundial, no passado dia 5, propõe 81 medidas.
Essa classificação não impediu, no entanto, intervenções "surpreendentes". Rui Moreira admitiu mesmo não gostar de "tudo o que lá é feito" e referiu que é à Direção-Geral do Património Cultural "a quem cabe aprovar ou não aprovar", exigindo ao organismo para assumir a responsabilidade sempre que, "num sítio classificado", se veem algumas intervenções que "surpreendem". "Outras coisas que nos parecem normais não são permitidas", criticou Rui Moreira.
"Desprestigiante"
O cenário antes desta classificação era bem diferente, revelou Margarida Guimarães, coordenadora do Centro Histórico do Porto.
"São indescritíveis os cenários que presenciei. Casas, na sua maioria, sem instalações sanitárias e protegidas com plásticos para amparar da chuva", referiu, acrescentando que até mesmo os proprietários dos edifícios tinham vergonha dos prédios que tinham. "Era desprestigiante assumir que eram proprietários de casas nesta área", acrescentou Margarida Guimarães.
"Hoje, o Centro Histórico do Porto é muito cobiçado", constatou Rui Moreira, não deixando de recordar que, "há 11 anos", havia "casas que estavam a cair".
As restantes habitações por reabilitar oferecem uma "perspetiva futura", notou o autarca, garantindo que o objetivo é que a cidade seja "interclassista".
"E que depois os outros que cá vêm que tragam riqueza à cidade, atividade económica, mas que não exerçam uma pressão incompatível com os nossos hábitos e costumes. Se fosse fácil, já estava feito", disse Rui Moreira.
Perda de população preocupa
"A autenticidade do tecido urbano do Porto é total", afirmou Margarida Guimarães. Mas o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), organização não-governamental associada à UNESCO, já se mostrou preocupado com a gestão realizada nomeadamente com demolições, "fachadismo" e com a perda e a "expulsão" da população residente da zona classificada. São vários os relatórios que os responsáveis portugueses do ICOMOS têm enviado para os serviços centrais daquela organização, dando conta de "intervenções gravosas". Nestes casos, o bem classificado fica sinalizado e, em último caso, pode ver a classificação retirada. "A nossa avaliação global é de preocupação pela perda de autenticidade e de promoção do fachadismo", disse ao JN Soraya Genin, presidente do ICOMOS Portugal.
Mais património
Religião
O património religioso não tem tido investimento público e muitos desses monumentos precisam urgentemente de obras de restauro.
Articular gestão
Entre as fraquezas da zona classificada do Centro Histórico, Ponte de Luís I e Mosteiro da Serra do Pilar, está a "necessidade de articulação de gestão entre Porto e Gaia". Para Rui Loza, "é imperativa".
Douro Vinhateiro
O Alto Douro Vinhateiro Douro e as suas encostas monumentais talhadas pelo homem é paisagem cultural evolutiva e viva da UNESCO desde 14 de dezembro de 2001.