Palaçoulo acolhe o último mosteiro construído em Portugal. Uma dezena de monjas cultivam a terra, transformam produtos agrícolas, rezam e cantam.
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Dez monjas italianas estão a fazer história em Miranda do Douro, erguendo um mosteiro cisterciense desde a primeira pedra. O que não acontecia em Portugal desde 1834. Por ora, as irmãs da Ordem Cisterciense de Estrita Observância (trapista) da comunidade de Vitorchiano, na região de Lácio, entre os 36 e os 83 anos, com formações variadas, desde artes, à filosofia e engenharia alimentar, estão a viver na casa de acolhimento, onde será instalada uma hospedaria enquanto o edifício do mosteiro não é construído. "Isto é uma grande aventura ", sintetiza a irmã Anunciada, 58 anos.
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A mais velha, madre Augusta, 83 anos, "a avó", não se deixou tolher pela idade e abraçou um novo desafio. Dispôs-se a começar do zero a tarefa de ajudar a erigir o mosteiro de Santa Maria Mãe da Igreja, na aldeia de Palaçoulo. Erguer não apenas com o sinónimo de construir, mas, sobretudo, de edificar as fundações espirituais de uma casa de fé, com um olhar bem terreno no que respeita ao desejo de contribuir para o desenvolvimento da localidade e a fixação de pessoas, tal como sucedeu em Vitorchiano, onde nasceu uma aldeia em redor. As monjas trapistas já fundaram oito mosteiros em todo o Mundo.
"Eu pedi para vir", contou a madre Augusta que, desde que ingressou na ordem trapista, há quase 61 anos, ajudou a dinamizar projetos na Argentina e em África. Agora, quando não está a rezar ocupa o tempo a fazer terços para vender. Ingressou nas trapistas aos 22 anos. Teve um "clique" e descobriu que Deus existia. "Deixei tudo. Valeu muito a pena. Não foi fácil, houve dificuldades e sofrimento", recordou.
Disciplina e obediência
A disciplina e a obediência a que estão sujeitas pela regra de S. Bento, determinando que "toda a vida visa o Senhor", criou-lhes resiliência, espírito de sacrifício e determinação. Qualidades necessárias a quem se propõe construir um complexo que exige um investimento de três milhões de euros.
Estas monjas que se consagraram a Deus de corpo e alma têm a missão da oração e da meditação, mas o lado espiritual carece de sustento e, em simultâneo, são agricultoras, artesãs e empresárias. Cultivam a terra, dela retiram os produtos para fazer compotas, licores e doces para vender. Chegaram em novembro e já plantaram 500 amendoeiras, instalaram uma pequena loja para as vendas e começaram a receber hóspedes nos quatro quartos disponíveis. "Visitantes que queiram partilhar a nossa vida, a nossa liturgia e o silêncio", diz a irmã Lúcia, 45 anos, monja desde os 29.
A entrega e fidelidade total a Deus é idêntica à de Argos, o cachorro que toma conta da quinta, nome do fiel animal que esperou 20 anos por Ulisses, o herói da Odisseia.
Deixaram o mundo lá fora. Não veem televisão, não ouvem rádio, leem apenas algumas notícias e a Internet é só para coisas úteis. Raramente saem. As exceções são para fazer compras, idas a consultas, ainda que na maioria das vezes seja o médico que vai, ou para visitar familiares doentes. "Vivemos uma separação do mundo, mas não queremos afastar-nos das pessoas", salienta a madre superiora, Guisy Maffini.
Aprenderam a falar português, só que quando o assunto é mais complicado as bocas ainda fogem para o italiano. "Precisamos de uma irmã portuguesa", desabafa a superiora. Estão a traduzir e a adaptar para o nosso idioma a liturgia beneditina, a maioria cantada. "A música ajuda a meditação. É uma ajuda para a relação com Deus, simples e acessível", explica a irmã Irene, 37 anos, que entrou aos 27 no mosteiro em Itália.
Sem tempos livres
Não têm tempos livres e fazem as tarefas que houver. "Não há serviços mais importantes do que outros. Arranjar a mesa do altar para a eucaristia e a seguir ir lavar a roupa das minhas irmãs não tem diferença nenhuma", sintetiza Maria da Luz, 44 anos, monja desde os 26, depois de uma juventude "muito rebelde e desobediente".
A irmã Sara, 43 anos, é a cozinheira. "Eu não sabia nada de nada de cozinha. Aprendi e ainda ninguém morreu", confidenciou.
O calor humano dentro daquela casa contrasta com o frio da geada que cobre os campos mirandeses. São alegres, bem dispostas e têm sentido de humor. "Vivemos com muita liberdade, a de Cristo", frisou Sara.
Quando se pergunta se nunca se confrontam com o apelo da maternidade, irmã Lúcia responde: "Nós levamos connosco todas as pessoas que pedem a nossa oração. É uma maternidade diferente, não é física". Esta monja que antes de o ser tinha "mais ou menos" um namorado que lhe dizia "que os seus olhos brilhavam" quando falava do mosteiro. A vocação venceu.
Todas elas ingressaram jovens, entre os 20 e os 30 anos, no mosteiro em Itália, quando perceberam que a inquietação que as desassossegava, afinal, era o chamamento de Deus. "Aqui, experimentamos uma plenitude da vida que nasce da escolha da virgindade para amar mais profundamente", afirmou irmã Alice, 36 anos, a mais jovem, na vida monástica desde os 24.
Na vocação inicial pôs-se a questão de seguir a via missionária ou da caridade. No caso da irmã Guisy, a vida contemplativa teve uma voz mais persistente e dedicação total a Deus falou mais alto. Escolheu a vida de meditação. "Rezar por todos, pelo Mundo, por quem o solicita, é uma missão", realça a superiora.
As vocações não se explicam. Sentem-se. No caso destas monjas, várias foram "levadas" por amigas. "Não há um tipo de pessoa. Olho para as minhas irmãs e são tão diferentes, mas todas procuravam um sentido para a vida, algo que ficasse", desvenda a irmã Irene.