Água doce em excesso na ria de Aveiro poderá estar na origem da morte dos bivalves. São várias toneladas de amêijoa, criada ao longo de dois anos de trabalho e investimentos, que seguem para o lixo.
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A imagem é desoladora. Perde-se de vista a quantidade de amêijoa morta na zona dos viveiros na Gafanha da Encarnação (Ílhavo). Os bivalves que não resistiram, ao que tudo indica, ao excesso de água doce, provocado pelas chuvas das últimas semanas, formam uma espécie de tapete que se avista ao longe. Mas é de perto que se tem a noção da mortandade. São pelo menos dois ou três anos de trabalho que vão para o lixo.
Os proprietários dos viveiros falam em prejuízos que, em alguns casos, podem chegar aos "80 ou 100 mil euros". "Ainda não fiz bem as contas, mas há-de ser por ai, porque estamos a falar de oito mil metros quadrados de viveiros", sublinha Carlos Sá, produtor de amêijoa que esperava algum lucro com a venda de bivalves na Páscoa, "mas agora já vi que nem sei se terei alguma coisa para vender no Natal".
Pedro Cardoso tem um prejuízo menor, deve rondar os 20 ou 25 mil euros. "Tenho os viveiros há menos tempo, daí este valor, e também porque são só dois mil metros quadrados", afirma. Quando se começou a aperceber do que estava a acontecer, este viveirista admite que só não chorou porque "não sou disso", diz ao JN.
Estes proprietários de viveiros na ria de Aveiro dizem que nada podem fazer, para além de "rezar para que não chova mais", diz António Mendes, que já fez contas à vida e sabe que tem um prejuízo de 25 mil euros. "Ainda há dias mandei cerca de 60 quilos de amêijoa para o lixo. Não as podemos vender nestas condições", acrescenta. "Nesta altura do ano a amêijoa estaria a ser vendida a sete ou oito euros o quilo, daí o prejuízo tão grande porque temos aqui toneladas delas mortas", afiança Carlos Sá.
Os viveiristas da Gafanha da Encarnação falam de 90% da produção destruída. "Vai ser um ano complicado, não só para nós, mas também para quem apanha na ria. O mal é geral e não há nada que possamos fazer", diz Carlos Sá, acrescentando que "agora o que nos resta é limpar o lixo, tirar os animais mortos para voltar a fazer tudo de novo".
Neste tipo de situações, em que a quase totalidade da produção é destruída, devido a razões da natureza, nada vale a estes homens que investiram tempo e dinheiro na criação de bivalves. "Nenhuma companhia nos segura a produção, o Governo também não ajuda. Temos de voltar a fazer tudo de novo, não podemos fazer mais nada", lamenta Pedro Cardoso.
Enquanto vestem as botas para ir para o meio da ria ver "a desgraça que para ali vai", António Mendes, Pedro Cardoso e Carlos Sá chamam a atenção para a baixa da maré. "É nesta altura que dá para ver tudo. Consegue ver-se ao longe as amêijoas todas ao de cima. Os bivalves, por causa da falta de salinidade, não conseguem alimentar-se e vão-se soltando. A maioria já está aberta o que significa que nem vale a pena levar isto para as depuradoras, não compram e também é perigoso vender amêijoa assim", adverte Carlos Sá.
A amêijoa é o bivalve mais atingido com esta ocorrência de baixa salinidade, mas o berbigão e a navalha também poderão ser afectados. Para já, a produção de ostras tem conseguido escapar a esta mortandade, o que alivia um pouco a situação dos viveiristas.