Morte em cave inundada. "Não chegamos a tempo. A sorte do marido foi agarrar-se à cama"
No centro de Algés, em Oeiras, a maioria dos moradores e comerciantes não tinham memória de inundações como aquelas que aconteceram, nesta madrugada de quinta-feira, na Grande Lisboa. "Foi uma tragédia, foram as piores cheias", comentavam, desolados, alguns funcionários do restaurante Sé da Guarda, enquanto apanhavam água e lama, na Rua Sport Algés e Dafundo. Na mesma rua, uma mulher de 77 anos perdeu a vida dentro da própria casa ao tentar salvar o marido acamado.
Corpo do artigo
Manuel Fonseca e Maria Fonseca, irmãos, estavam em casa, num rés-do-chão, quando o nível da água começou a subir. Lembraram-se logo dos vizinhos, casal de idosos a viver numa cave. "Fui logo pedir ajuda aos Bombeiros de Algés, que já estavam na zona. Arrombamos a porta e o senhor, que estava acamado, estava agarrado ao colchão junto ao teto a pedir ajuda. A água estava a um palmo do teto, era assustador. Também sou bombeiro e mergulhei com um deles e conseguimos logo resgatá-lo", conta Manuel Fonseca.
O pior veio a seguir. "Voltamos para procurar a senhora, mas quando a puxei infelizmente já não havia nada a fazer. Não chegamos a tempo de a salvar. A sorte do marido dela foi agarrar-se à cama", partilha emocionado. O idoso, que se desloca em cadeira de rodas, foi para o Hospital São Francisco Xavier, onde ainda se encontrava esta tarde. A vizinhança estava consternada. "Ela era muito boa pessoa, gostava muito dela. Acredito que lutou para salvar o marido, eles davam-se muito bem. Não merecia isto", lamentou o vizinho Dady.
Caves inundadas
Francisco Alarcão, 29 anos, e a mulher tiveram de esperar que o nível da água baixasse para conseguirem sair de casa. "Foi tudo muito rápido. Começou a entrar água pelos dois lados da porta e do pátio, e começamos a ficar com medo que subisse até ao teto e não conseguíssemos escapar. Ligámos para os bombeiros porque não conseguíamos abrir a porta, mas não vieram porque provavelmente estavam com muitas chamadas", conta o jovem, que esteve várias horas com o cão ao colo para o salvar. É a segunda cheia naquela zona este ano e, por isso, tomou algumas medidas preventivas, mas de nada serviu.
"Isolamos a porta de casa, mas não foi suficiente e desta vez foi pior. Ao contrário da zona mais baixa de Algés, onde uma senhora faleceu, a nossa água veio dos esgotos porque não há obras no prédio para prevenir estas situações. Agora temos de esvaziar a casa e desinfetá-la toda", explica, acrescentando que já teve prejuízos de mais de três mil euros nas duas inundações com móveis e eletrodomésticos e que o senhorio "não aciona o seguro nem assume a responsabilidade".
Prejuízos de milhares
João Henrique, dono da sapataria Onda, estava desolado. "Tenho imensa água na cave onde tenho os sapatos todos. É uma tragédia, é provável que seja o fim da loja que tem 50 anos", lamentou o comerciante, que estima prejuízos na ordem dos 70 mil euros com as duas cheias, a desta madrugada e a que ocorreu há um mês. "Desta vez foi muito mau", desabafou.
Zélia Sequeira, dona da loja de roupa Bela Dona, quando chegou à loja de manhã nem queria acreditar. "Não consegui abrir a porta, a água subiu três degraus. Tinha aqui dois sacos com roupa já vendida, um com um casaco de 300 euros. Os armários, onde há roupa, estão cheios de água. Só me apetece chorar", queixou-se a lojista, que já não vai conseguir fazer a habitual doação de roupa para uma instituição de solidariedade social. "Estragou-se toda".