Oito em cada 10 alunos estudam a língua, mas só a usam quando vão às aldeias e conversam com os avós. Situação "muito crítica", conclui estudo.
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Desde o pré-escolar que Inês Preto aprende mirandês na escola, mas a jovem de 14 anos admite que na vida diária praticamente só a usa para falar com os avós quando vai a Paradela, aldeia de onde é oriunda a família, a poucos quilómetros de Miranda do Douro. "Com os colegas falamos português, porque dá mais jeito", explicou Inês, que tem consciência da importância de viver num concelho que tem uma língua reconhecida. "Matriculei-me na disciplina de Língua e Cultura Mirandesa, que é de opção, porque é importante, pois só há um concelho no país que tem uma língua e é o nosso", referiu a jovem, orgulhosa com o património imaterial.
Inês exemplifica as conclusões de um estudo da Universidade de Vigo, que concluiu que das cerca de 3500 de pessoas que conhecem a língua, apenas 1500 a usam com regularidade. E apenas 2% dos menores de 18 anos a utilizam.
Os jovens estão tão imersos no português, que a boca só lhes foge para o mirandês quando o interlocutor os interpela dessa maneira. "Gosto de aprender para falar com os meus avós e na aldeia. Com os meus pais falo pouco", reconhece Letícia Luís, de 14 anos. O número de estudantes inscritos em Mirandês tem aumentado e este ano quase oito em cada 10 (448 dos 575 alunos) estão matriculados no Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro.
Duarte Martins, professor de mirandês, esforça-se por cativar os estudantes que, por estes dias, andam a ensaiar uma peça de teatro inteiramente nesta língua. "Posso ter muitos alunos inscritos, mas não significa que sejam falantes ativos. Aqueles cujos pais têm o mirandês como língua materna fazem uso dela em casa, agora quando as famílias são de outras zonas do país, só falam o português e são falantes passivos da nossa língua", explica.
O docente culpa o despovoamento pela diminuição do número de falantes. Segundo o estudo, o mirandês está numa situação" muito crítica" devido ao abandono diário por parte de entidades públicas e privadas e, também, devido à rotura entre o idioma e as gerações mais novas por causa da forte portugalização linguística.
mais velhos lamentam
Os mais velhos que vivem nas aldeias dizem que na cidade "pouco se fala mirandês", assegura Catarina Vicente, 88 anos, que na aldeia de Paradela fala maioritariamente este idioma com os habitantes, nomeadamente com o vizinho Ademar Preto. Recordam o passado, cantam canções e lengalengas na língua nativa. "Nós, os mais velhos, é que falamos, os novos sabem mas não falam. Quando andei na escola, nas aulas, não podia falar a nossa língua, mas aqui na aldeia quase só se falava o mirandês e custou-me a entrar no português", admite o idoso que troca impressões com Ermelinda Gomes, 66 anos, que lamenta que na cidade "se fale pouco".
Cidália Luís, 52 anos, de Aldeia Nova, põe o dedo na ferida: "A maioria das pessoas que vivem na cidade são de aldeias, onde falam mirandês. Se quiserem, podem falar".
Causas
Autarca culpa despovoamento
A presidente da Câmara de Miranda do Douro, Helena Barril, já começou a introduzir discursos em língua mirandesa em cerimónias oficiais para divulgar o idioma. "A conclusão do estudo demonstra-nos a realidade que conhecemos e de que temos consciência há muito tempo. É um alerta", referiu A autarca culpa o despovoamento e o envelhecimento da população pela diminuição do número de falantes. "Em nada ajudam, mas esperamos que com a assinatura da Carta das Línguas Minoritárias, a criação do Instituto da Língua Mirandesa e o reforço do programa do ensino nas escolas venham minimizar as dificuldades. O mirandês é a nossa maior riqueza, enquanto elemento diferenciador da identidade e da cultura", afirmou.
História
21% dos menores de 18 anos utilizam o mirandês, um número muito escasso, revela o estudo da Universidade de Vigo "Usos, atitudes i cumpetencias lhenguíticas de la populacon mirandesa", feito a partir de uma amostra de 350 inquéritos.
Língua oficial desde 1999
Lecionado na escola em Miranda do Douro desde 1986, o mirandês foi considerado a segunda língua oficial de Portugal em 29 de janeiro de 1999, com a publicação da lei em "Diário da República".