Entre a gripe espanhola e a covid-19 há um século de reencontros num solar emblemático.
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O solar que já foi sede da Junta de Freguesia da Maia e que entre 1918 e 1920 foi adaptado a hospital de campanha no combate às pandemias de tifo e da gripe espanhola é o mesmo edifício que, volvido um século, volta a ser um importante instrumento do concelho dos arredores do Porto na luta contra outra crise sanitária, agora a da covid-19. Àqueles muros ressente-se-lhes uma certa "missão cármica", como observa uma das técnicas da equipa municipal que, por estes dias, nos últimos três meses, procedeu e ainda procede à identificação das cadeias de contágio do SARS-Cov-2.
A sala onde funciona a operação "Salvar Portugal" [ler peça vinculada] é dominada pelo retrato do que se julga ter sido o tamanho natural do Visconde de Barreiros. José da Silva Figueira, como se chamava este ilustre cavalheiro maiato (S. Miguel de Barreiros, 1838 - Porto, 24 de dezembro de 1892) foi um comerciante abastado. Fez fortuna no Brasil, nos negócios do café e dos caminhos de ferro. Foi também um destacado humanista e benemérito, que financiou, entre muitas obras, o edifício inaugurado em 1917 e que estava destinado a ser uma creche para as crianças desfavorecidas do concelho.
A serventia primitiva do solar foi rapidamente ultrapassada: primeiro, porque, reza a memória coletiva, houve um desvio de fundos, nunca quantificado, por se terem perdido os documentos das contas num inconveniente incêndio em casa do tesoureiro da Junta; depois, porque as pandemias de tifo, de varíola e difteria, surgida como consequência das deficientes condições sanitárias do pós-guerra, e a da gripe espanhola converteram imediatamente o imóvel a hospital improvisado.
Um eterno retorno
Um salto ao Arquivo Municipal da Maia desvenda todo o ambiente que se viveu na época, afinal tão idêntico ao que vivemos desde março de 2020. As autoridades sanitárias, dirigidas por Ricardo Jorge, não hesitaram: decretaram o isolamento social, proibiram beijos e abraços, impuseram o uso obrigatório de máscaras, encerraram escolas, mandaram caiar e limpar casas e abrir fossas. Feiras e romarias também foram interditadas. E sobraram as medidas políticas: censura aos jornais da terra e "proibição do toque de sinos nos funerais, para não deprimir o moral das populações", como se lê numa circular que o Governo Civil do Porto fez chegar às autoridades de Barreiros, núcleo do que é hoje a cidade da Maia.
Eis, portanto, a história do eterno retorno de um edifício secular, na atração dos extremos e das pontas separadas por um século. "É cármica", insiste Carla Marques, técnica do Gabinete de Saúde da Câmara Municipal da Maia.
Equipa multidisciplinar na pegada das cadeias de transmissão do vírus
Uma técnica do Gabinete da Juventude, outra da Saúde, ainda outra do Desporto e mais uma psicóloga, todas mobilizadas para uma equipa municipal, ainda mais vasta e dos mais variantes quadrantes profissionais e académicos, encarregada de sinalizar vetores da pandemia e isolar contágios por SARS-Cov-2. "Salvar Portugal", como a Câmara da Maia chamou a este gabinete de contingência, já respira melhor. O pico de janeiro passou. A recompensa é a de um saldo provisório: três mil casos detetados e declarados em isolamento profilático. Tudo em colaboração com a ARS Norte, em parceria com a Câmara de Valongo e com apoio do Exército.
Desinfeção
Entre 1918 e 1920, a "chamada pipa de desinfeção" era escala quase obrigatória. À época foi promulgada a "proibição do trapo", veículo do piolho causador do tifo. Antes de comparecerem em tribunal, os presos tinham de ir à "despiolhização", no Aljube.
Testar, testar, testar
O concelho da Maia declara-se na vanguarda do combate à pandemia de coronavírus, com a campanha "Testar, identificar, isolar". Entre PCR, antigénios e serológicos, o município conta mais de 33 mil testes.
Vacinar, vacinar, vacinar
O Centro de Vacinação Avançado da Maia começou na última terça-feira a vacinar maiores de 80 anos e maiores de 50 anos com quadro de comorbidades. Tem capacidade para 250 inoculações diárias.