Alunos de Serviço Social dão apoio a 300 inquilinos da Câmara do Porto que vivem isolados.
Corpo do artigo
À mesa de cabeceira estão dois livros que lê ao deitar. Saramago e Isabel Allende. Na televisão vê a série "Narcos" e revisitou recentemente a filmografia de Stanley Kubrick. Gininha tem 73 anos, vive sozinha no Bairro do Falcão, no Porto, e conta os dias para receber a visita dos voluntários do programa Porto. Importa-se, que, por algumas horas, lhe fazem companhia. Maria Virgínia dos Santos é uma das 300 pessoas inquilinas da autarquia com apoio de combate à solidão, recebendo chamadas e estando constantemente monitorizadas com pulseiras de teleassistência.
Inquérito permitiu inquirir 1212 inquilinos municipais e identificar 208 casos (17%) de isolamento social severo. 71% dos idosos em risco mencionaram querer permanecer em casa.
A idosa recebe a visita de Andreia Moreira, assistente social, que lhe liga quase diariamente. Bem-disposta, Gininha conta os documentários que tem visto na companhia da vizinha e amiga Fátima Coelho. Critica a programação dos canais generalistas e diz que gostava de assinar uma plataforma de streaming mas isso terá de ser um dos filhos a fazer. O filho reside em Lisboa e a filha em Londres.
Trabalho em rede
"Custa muito passar o tempo sozinha, ainda por cima tenho pouca mobilidade e também não convém sair por causa da pandemia", conta Gininha, que depende do oxigénio por sofrer de doença pulmonar obstrutiva crónica. Foi fumadora até há quatro anos.
Nos bairros camarários do Porto vivem 30 mil pessoas e 7500 têm 66 anos ou mais. Deste grupo de idosos, 4125 vivem sozinhos ou com o cônjuge.
A Câmara do Porto fez o levantamento e encontrou muitos inquilinos na mesma situação. Atualmente, no parque habitacional gerido pela Domus Social, 25% do total da população residente tem 66 ou mais anos, sendo que 55% dos idosos vivem sozinhos ou apenas com o cônjuge. Um número crescente e, por isso, a Autarquia avançou com o projeto solidário de intervenção técnica e social direta ao nível dos inquilinos idosos isolados (mais de 70 anos) e casais de idosos (mais de 75 anos).
"Após o levantamento e identificadas as situações, resolvemos partir para o terreno com o projeto que integra uma rede de apoio da qual fazem parte diversas entidades e instituições", afirmou ao JN Fernando Paulo, vereador da Habitação e Coesão Social. Uma parceria no combate ao isolamento que presta apoio até mesmo na deslocação dos idosos a consultas médicas, no apoio domiciliário, limpeza e alimentação, na promoção do envelhecimento ativo (animação, desporto e circuitos de visitas pela cidade) e na vigilância, presencial ou através da pulseira. Em caso de acidente ou doença súbita, a prestação de socorro é desencadeada no momento. "Os idosos sentem-se mais seguros porque este controlo é acionado de forma fácil e rapidamente é acionado o alerta", diz Fernando Paulo.
São uma simpatia e quando me visitam até passo o dia melhor
Distribuem afetos
"São uma simpatia e quando me visitam até passo o dia melhor, isto de estar em confinamento é horrível!", diz Maria Virgínia referindo-se aos 19 voluntários, alunos finalistas dos cursos de Serviço Social e Gerontologia, mais dois a tirar mestrado, do Instituto Superior de Serviço Social, que percorrem os bairros camarários a "distribuir afetos".
Gininha vive no Falcão há 25 anos. Enquanto casada foi dona de casa e, mais tarde, dama de companhia, atividade interrompida pela doença. "A reforma é pequenina". Recorda os dias que viveu no Lindoso, há mais de 50 anos, quando o marido era engenheiro na barragem. "Apesar daquilo ser longe era lindíssimo e não faltava nada. Lia muito e via filmes no cinema. Passei lá bons momentos que não voltam mais", diz olhando pela janela. "E tenho saudades dos meus avós", acrescenta.
Junta acompanha 90 seniores no Centro Histórico
Embora sem bairros camarários com as características dos da periferia da cidade, também o Centro Histórico alberga centenas de idosos em situação de isolamento, fechados em casa, no casco antigo e em andares sem elevador. A União de Freguesias do Centro Histórico acompanha 90 pessoas nestas situações e presta apoio aos mais carenciados e com limitações físicas. Há também ajuda através do Banco Alimentar.