Câmara de Matosinhos criou uma bolsa em janeiro de 2020 para proporcionar algumas horas de descanso a quem toma conta de doentes. Por vezes, basta uma palavrinha na hora certa.
Corpo do artigo
Ajudar quem precisa é das coisas mais gratificantes para o ser humano. E ajudar pode ser tão simples como fazer companhia, conversar ou apenas sorrir. Quando em causa estão pessoas que cuidam de outras pessoas, também elas precisam de atenção e carinho, de umas horas vagas para tratar de algum assunto, de uma palavra amiga. É este o espírito que está na origem da bolsa de cuidadores que substituem os cuidadores informais, criada pela Câmara de Matosinhos em janeiro de 2020.
Os laços que se criam vão muito para lá do óbvio. Quando perguntamos a Aurora se Maria Cristina é da família, a resposta não tarda: "Para nós, já é". Aurora cuida do marido, Maria Cristina acaba por cuidar de ambos e, em poucos meses, já sente que faz "alguma diferença" na vida desta família. Desta e das outras seis que lhe "preenchem toda a semana" de trabalho.
Aurora e Jorge Ramos vivem em Perafita. Estão casados há 48 anos e a vida pregou-lhes uma série de partidas: a última foi um AVC isquémico que o tornou dependente dos outros. Mas Aurora pode pouco. Tem problemas cardíacos, precisa que o andarilho dê os passos por ela e tudo isso complica o seu dia a dia.
Eis que chega Maria Cristina Ferreira para fazer a tal diferença. É a segunda cuidadora desta bolsa a ir regularmente a casa de Aurora e Jorge, a família mais nova que tem ao seu cuidado. Devido aos problemas de Aurora, muitas vezes vai por ela às compras, à farmácia ou até levantar a reforma. Também ajuda Jorge na toma dos medicamentos e noutras precisões, para que Aurora descanse.
Conversam muito. "Falamos muito sobre notícias. Eu "como" notícias, mas ultimamente não são lá muito boas", lamenta o utente. Agradecido, "muito agradecido" a quem teve a ideia do projeto, continua a fazer fisioterapia e os resultados estão à vista: "Os entendidos dizem que recuperei muito". A expectativa é que volte a andar.
seis elementos
Apesar de a bolsa ter apenas seis cuidadoras - deverá ter mais duas no próximo ano -, foram já 45 as famílias do concelho a beneficiar do serviço. No balanço feito desde o início até setembro deste ano, as horas de pausa proporcionadas aos cuidadores informais rondaram as 10 700.
Com 59 anos de idade e dois como cuidadora, Maria Cristina trabalhou na área do controlo de qualidade, no ramo alimentar, até que os pais adoeceram e teve de deixar o emprego para cuidar deles. Já faleceram. Depois, fez uma formação em geriatria, mas o resto por certo já vinha de origem: a simpatia, o gosto de ajudar, a capacidade de pôr à vontade aqueles que mal a conhecem, o respeito.
momentos difíceis
"Há aqui um trabalho que tem de ser feito com muito cuidado. Por exemplo, saber como as pessoas gostam que se faça as coisas ou perguntar se posso abrir a gaveta dos medicamentos", refere. Apesar de adorar o que faz, também vive momentos difíceis, a ponto de confessar: "Quando nos morre um doente, morre-nos uma pessoa da família".
"Uma ajuda preciosa" é como Aurora pontua o serviço, ao mesmo tempo que se lamenta por haver "muita terceira idade abandonada, muita solidão". Em Maria Cristina encontrou tudo o que é preciso para superar as dificuldades: "A gente precisa de uma palavrinha na hora certa, não é?".
O projeto resulta de uma parceria da Câmara com a ADEIMA - Associação para o Desenvolvimento Integrado de Matosinhos, à qual contrata o serviço prestado pelas cuidadoras. Entre o início do programa e o passado mês de setembro, foram feitas 3 584 visitas ao domicílio.
Há mais exemplos nos concelhos vizinhos. As câmaras de Vila Nova de Gaia e do Porto criaram o mesmo serviço em 2021. Quanto à Autarquia da Maia, a previsão é arrancar com idêntica iniciativa já no mês de janeiro.