Símbolo da cidade do Porto é ponto de visita obrigatório para turistas e lugar de encontro de famílias e grupos de amigos. De Manoel de Oliveira à criadora de Harry Potter, muitos encontraram ali um espaço de inspiração. Família Barrias devolveu-lhe a imagem e o charme de origem.
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Belo como no dia em que abriu, sedutor aos olhos de todas as gerações, o Majestic celebra 100 anos nesta sexta-feira. O icónico café da Rua de Santa Catarina, no coração do Porto, guarda muitas e boas memórias dos tempos em que escritores, artistas, cineastas, políticos ou simples grupos de amigos ali se encontravam como quem cumpre um ritual. Cada vez mais visitado por turistas, continua a ser imprescindível à alma portuense. E esteve para dar lugar a um banco.
A data vai ser assinalada de forma simples: a cada cliente que fizer consumo será oferecida uma fatia de bolo. Talvez não cheguem os dez quilos que a gerência encomendou. É que, se for como no dia 2 de dezembro de 1922, a cidade não vai deixar passar a data em branco.
Já então vários jornais anunciavam a abertura de um luxuoso café, que o JN classificou como "obra grandiosa", num edifício "de arquitetura admirável". Sabemos que naquele frio sábado o Porto fervilhava com a chegada à cidade dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral - a quem o país rendia homenagem, pela primeira travessia aérea do Atlântico Sul -, mas a abertura de Majestic, só por si, foi um evento social. Já então o café ombreava com as melhores casas de Paris ou de Londres.
Paixão da juventude
Se houvesse uma só palavra para justificar o facto de o espaço se manter como era na altura, seria paixão. A paixão que Agostinho Ferreira Barrias tinha por cafés, desde os tempos da juventude passada em Agarez, Vila Real, e que tornou possível a compra do espaço, então em perigosa decadência, em 1983. Foi ele quem impediu que o Majestic fosse transformado num banco, como fizera no ano anterior com o café Guarany.
Anos de experiência, primeiro no Brasil e depois em vários cafés da cidade, ditaram o resto. Nos anos 90, Agostinho Barrias conseguiu fazer o investimento que devolveu ao café a imagem e o charme de origem.
"Quando o meu pai entrou aqui, falou com o responsável e em dez minutos fechou o negócio", conta ao JN Fernando Barrias, gerente, a propósito da compra. Lembra que, nos anos 80, "ninguém falava em restaurar património", porque era uma altura "em que se deitava abaixo para se fazer de novo". Fintando a tendência, Agostinho fez o contrário: "O meu pai foi pioneiro em restaurar tudo o que fosse antigo e tivesse valor patrimonial".
O cliente e a amante
São muitas as histórias escondidas nestes 100 anos. Desde o divórcio de um cliente, porque a mulher, que era telefonista, intercetou uma chamada que ele fez à amante a partir do Majestic, ao incidente que um empregado ia causando com um segurança do Estado, porque "não pediu licença para pousar na mesa o galão e a torrada" que ia servir ao presidente Ramalho Eanes, conta Fernando.
Não chegaria uma página do nosso jornal para elencar as personalidades que por lá passaram e as que continuam a passar, desde o cineasta Manoel de Oliveira ao músico e amigo da casa Pedro Abrunhosa. Pelos registos da época e relatos de outras gerências, o próprio Gago Coutinho terá lá estado na noite da inauguração, regressando mais tarde na companhia da atriz Beatriz Costa.
Doces memoráveis
A gerência guarda com carinho um cartão escrito por Juscelino Kubitschek, em que recorda a visita que fez à cidade do Porto, no ano de 1955, antes de ser presidente do Brasil. Na mensagem, Kubitschek faz referência aos doces do Majestic. Outra das relíquias recuperadas por Fernando Barrias, ele próprio nascido no Brasil, é a medalha comemorativa da viagem oficial do chefe de Estado Francisco Craveiro Lopes àquele país, em 1957. Na face, aparecem os presidentes português e brasileiro; no verso, sob o escudo de Portugal está reproduzido o florão que ornamenta a fachada do Majestic.
O reconhecimento do Majestic vai além-fronteiras. Exemplo disso é o honroso sexto lugar entre os mais belos cafés do Mundo, que lhe foi atribuído pelo site ucityguides.com. Mas são muitos os prémios conquistados, em particular de índole municipal. Também o edifício, por si só, foi duplamente classificado como imóvel de interesse público: pela Câmara, em 1981, e pelo Governo, no ano de 1983.
CURIOSIDADES
"O mais bonito", segundo Rowling
Harry Potter era ainda um embrião quando J. K. Rowling frequentou o Majestic. A criadora do feiticeiro que fez furor junto dos jovens viveu no Porto, no início dos anos 90, e viria a confirmar mais tarde, no Twitter, que esteve lá várias vezes. "Foi provavelmente o café mais bonito em que eu alguma vez escrevi", disse.
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Livro de honra a pensar em Soares
O livro de honra foi comprado na expectativa de que Mário Soares o assinasse. E assim foi, em 1986, em plena campanha para as presidenciais. Apesar de Soares ter lá ido em fevereiro, David Mourão Ferreira, que visitou o café no mês anterior, fez questão de deixar em branco a primeira página do livro, para que a dedicatória do futuro chefe de Estado figurasse em primeiro lugar.
As jaquetas do Café Club
Em jovem, Agostinho Ferreira Barrias adorava o Café Club, em Vila Real. Ficaram-lhe no olho as jaquetas dos empregados, que viriam a inspirar as que são usadas pelo pessoal do Majestic e também do Guarany, outro café histórico do Porto que pertence à família.
Uma surpresa chamada Breda
Fernando Barrias foi surpreendido em Breda, nos Países Baixos, quando entrou no escritório de um café e viu as paredes todas forradas com fotografias a preto e branco do Majestic. A dona explicou-lhe que o namorado é fotógrafo e natural da cidade do Porto.
DEPOIMENTOS
O JN pediu a diversas personalidades - antigos ou atuais clientes - um pequeno depoimento para este dia especial. Eis o que nos disseram:
Sérgio Conceição, treinador do F.C. Porto
Parabéns ao Café Majestic! 100 anos a representar aquilo que o Porto tem de melhor: um misto de sofisticação e simplicidade. Um lugar requintado mas genuíno, um ex-líbris do nosso Porto.
Pedro Abrunhosa, músico
Nos anos 60 e 70, o meu avô era o diretor do Grande Hotel do Porto e nós almoçávamos no hotel e tomávamos café no Majestic. Nos anos 80 e 90, havia uns "loucos" que subiam às mesas e declamavam poemas. Era um café do povo, apesar de chique-decandente. A cidade transformou-se com o turismo mas o Majestic continua a ser um sítio poético. Tenho saudades de ver os loucos a declamar em cima das mesas.
Germano Silva, jornalista e historiador
Frequento o Majestic desde a década de 60, do tempo dos "Quatro Vintes". O tempo voou. O Majestic foi revitalizado e transformado num espaço de "interesse público". Para mim, no entanto, continua a ser o mais belo café do Mundo, herdeiro das tradições dos velhos cafés portuenses, como centros de cultura, de troca de ideias e de convívio da boémia romântica. Por isso o frequento, com alguma assiduidade.
Júlio Machado Vaz, médico psiquiatra
Na década de 60 seria mais provável amuo do Douro que o levasse a não passar da Ribeira do que eu não desaguar amiúde no Majestic. Lá aprendi a tertuliar, a Palavra guiava-nos por política, futebol, rock; amores. O carinho sorridente dos funcionários, emoldurado pelo silêncio cúmplice dos espelhos, embalou as nossas adolescências. A velhice não beliscou as recordações, muito menos a gratidão!