Uma parte dos terrenos em construção na escarpa da Arrábida, Porto, foi em 1996 registada por usucapião por um casal que alegou nunca ter formalizado a compra feita 20 anos antes "por desconhecer o paradeiro dos vendedores".
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De acordo com documentos que a Lusa hoje consultou num cartório de Vila Nova de Gaia, o casal invocou em 1996 "usucapião" [direito à propriedade pelo uso] devido à "impossibilidade de comprovar a propriedade do imóvel". Em 1997 "retificou", dizendo que o adquiriu a "José Pereira Zagallo", o empreiteiro da ponte da Arrábida, construída entre 1957 e 1963, e em 1998 vendeu-o à empresa Imoloc.
Segundo o cadastro da Conservatória do Porto, em dezembro de 1996, o mesmo casal permutou com a Imoloc outra das parcelas de terreno, com uma área de 7.390 metros quadrados, também integrante da obra em curso a jusante da ponte da Arrábida, em investigação pelo Ministério Público.
Quanto à parcela registada por usucapião, que em 1996 tinha 4450,5 metros quadrados, foi em 1998 vendida à imobiliária Imoloc.
Em 2001, a promotora tirou deste lote 1.574 metros quadrados para ceder à Câmara do Porto, em troca de 336,3 metros quadrados municipais e de mais 11.246,3 metros quadrados da escarpa, que eram alvo de um "conflito de interesses" entre a autarquia e a imobiliária, por dúvidas sobre a sua "titularidade".
No primeiro registo de usucapião, feito em julho de 1996, o casal admitia não ser "detentor de qualquer título formal que legitime o domínio" do terreno.
Dizia tê-lo adquirido "há mais de 20 anos por contrato verbal de compra e venda que nunca chegou a ser formalizado por se desconhecer o paradeiro dos vendedores".
Nesse registo no cartório de Gaia, o terreno, cujo historial a Lusa seguiu também na Conservatória de Registo Predial do Porto, era indicado como "omisso no registo predial".
O casal, "dada a impossibilidade de comprovar a propriedade", invocava "a usucapião como modo de aquisição originária" do imóvel.
Em janeiro de 1997, o casal regressa a Gaia com as mesmas testemunhas para "retificar aquela escritura no sentido de que foi adquirido há mais de 20 anos por contrato verbal de compra e venda à firma José Pereira Zagallo".
O novo registo retifica ainda que o prédio "confronta, do lado poente, ainda com Imoloc".
Com base no alvará da empreitada na escarpa, licenciada em dezembro de 2017 e que remete para uma "área total de construção de 14.565 metros quadrados", a Conservatória de Registo Predial do Porto indica estarem em causa três parcelas de terreno com um total de 10.157 metros quadrados.
As três parcelas de terreno estão identificadas como tendo 7.390,4 metros quadrados, 2.430,5 metros quadrados e 336,3 metros quadrados.
A Lusa revelou na segunda-feira que a Administração dos Portos do Douro e Leixões (APDL) escreveu ao presidente da Câmara do Porto insistindo ter de se "pronunciar" sobre a obra na Arrábida e alertando não ter recebido o "pedido de pronúncia".
A câmara observou não fazer "sentido duplicar" um parecer "quanto ao domínio hídrico" existente no Plano Diretor Municipal (PDM), lembrando estarem em causa direitos urbanísticos "adquiridos" que "não pode agora revogar sem incorrer em possíveis e incomportáveis custos para o erário público".
A obra decorre a jusante da ponte da Arrábida, Monumento Nacional desde 2013 que está sem a Zona Especial de Proteção (ZEP) prevista na lei para condicionar operações urbanísticas, sendo que em novembro de 2013, a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) devolveu o processo à Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN).