<p>"Ele mora aqui" - e Nelo olha para cima, mantém o presente, aponta, "ele mora aqui". E cala-se de olhos caídos.</p>
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Nelo está atrás do balcão de inox do "Eiró", único restaurante da freguesia, mesas de flores plásticas sempre postas, parecem póstumas, toalhas garridas que não combinam com o silêncio dali onde todos estão calados, são quatro, copos graves, emudecidos àquela hora do meio da tarde. "O André agora mora lá em cima", morava ali, é o mais novo dos mortos.
São unidos, assim, os soalhenses. São pouco mais de três mil os que habitam a freguesia incrustada entre Baião e o Marco, noroeste de Portugal, metidos no meio de vales verdes, cheiram pinheiros, eucaliptos, têm quintais pequeninos de couve tronchuda, pequenas ramadas armadas, rodeados pelo dorso da Serra da Aboboreira, mais para a frente já é o frio Marão.
Venta no vale. Vê-se a antiga vila toda de cima, há um miradouro em meia lua, casas miúdas, encaixadas, encristadas, telhados de telha vermelha, fumam as chaminés.
São na maioria pedreiros, os dali das montanhas granidas, há pedra aos pontapés, bela, azul e amarela, como a da Igreja Matriz.
Os que não dão no granito são operários de construção civil, muitos emigram - primeiro era Espanha, agora é Angola -, os que ficam têm ainda outra indústria forte dali, o comércio e abate de gado, que a terra é farta em criação de cabritos e confrarias de anhos assados com arroz de forno, é 12€, dá para dois.
São assim, unidos, os soalhenses, tão poucos que sabem os nomes uns dos outros, 412 deles sócios da Casa do Povo, agremiação de chão lajeado, lavado, há desporto, caridade, cultura, um grupo voluntário de bombos que todas as semanas saía a ribombar. Estão agora quietos, deslaçados, os bombos, as caixas, não sabem como hão-de entoar a marcha, a prauza, a procissão, não podem, perderam António, o Toninho, grande tocador, caído no rude embate da manhã da A4.
Não há música, não mais se ouve o André, era festivo, uma chuvada da alegria, cantava no Ritmo Douro, uma boa banda de bailaricos, ainda venta, vem aí o breu, o céu incandesce, arde e azula no horizonte, escurece.