Em outubro de 1899, o JN chegou a sair para as bancas com os títulos "O Notícias" e "Diário da Manhã", para contornar um decreto que visava a suspensão por dez dias. Governo do reino censurou-nos pela forma como abordámos, ao longo de vários meses, o tema da peste bubónica no Porto.
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Muitos serão os leitores que se habituaram, carinhosamente, a referir-se ao JN como "O Notícias". Mas saberão eles que o nosso jornal chegou mesmo a ser vendido com esse título? Aconteceu em 1899, devido a um decreto que visou impedir a sua publicação durante dez dias, por causa da forma persistente - que claramente desagradou ao Governo - como noticiou o surto de peste bubónica que se instalou no Porto. O efeito foi outro. Para contornar a suspensão, o jornal foi publicado com o mesmo "layout" mas com a designação "O Notícias" e, depois, "Diário da Manhã". E até avisou os leitores que, caso fosse alvo de nova censura, seria substituído pelo "Jornal do Povo".
O tal decreto não permitia o uso da palavra "Notícias" na designação dos jornais, motivo que ditaria também a suspensão de "O Notícias", só publicado a 18 e 19 de outubro. Nas edições seguintes, surgiu nas bancas o "Diário da Manhã", tendo o título original sido recuperado apenas na edição do dia 28.
De nada adiantaram as tentativas de calar o JN, que, mesmo assim, não se livrou do pagamento de multas diárias, as "querellas". Manteve-se fiel aos seus leitores e, sobretudo, ao imperativo de prestar um serviço público, continuando a denunciar a imundície e a insalubridade em que o Porto já estava mergulhado quando a peste foi confirmada pelo médico e higienista Ricardo Jorge.
Em agosto, a cidade era das mais dizimadas pela mortandade em toda a Europa, devido a múltiplas doenças. Já instalada, a bubónica ia trilhando o seu caminho. Na primeira página, liam-se frases como "Por toda a parte se exhalam emanações pestíferas". Ao mesmo tempo, temia-se que a "porcaria que se amontoa e ostenta ahi por toda a cidade" se transformasse num "germen d"epidemia mortal".
Havia sentinas a céu aberto, lixo em todas as ruas, ratos e pulgas sem controlo, ajudando a propagar a doença. E o JN a reclamar do Governo do reino "rigorosas medidas hygienicas". E o Governo sem nada fazer. As primeiras brigadas sanitárias não conseguiram resgatar o Porto da sua condição de "montureira". Depois isolaram-se doentes, queimaram-se casas.
Publicámos diariamente boletins dando conta dos novos casos, das mortes, dos suicídios. Quando foi imposto à cidade um cerco militar, que durou de finais de agosto até dezembro, deixando o Porto "encurralado como besta fera" e "entregue ao azar de uma doença mortífera", o JN antevia mais problemas sociais e o definhar do comércio e da indústria. Sem vacilar na acutilância, viria a ser censurado em outubro.