EDP garante legalidade da obra, que a Câmara de Vila do Conde afirma desconhecer. Comissão de Desenvolvimento Regional diz que falta parecer da Agência do Ambiente.
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A E-Redes, antiga EDP Distribuição, está a montar um poste de alta tensão na Espinheira, em Tougues, Vila do Conde. A estrutura está quase em frente à praia fluvial, em zona de Reserva Ecológica Nacional (REN), a dois metros do rio Ave, em domínio hídrico. A Câmara diz desconhecer a obra. A E-Redes diz que está tudo legal, mas a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) afirma que falta um parecer da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), entidade que não respondeu às questões do JN em tempo útil.
"Trata-se de uma zona ambientalmente sensível, com potencial de valorização turística e fiquei estupefacto", afirma Telmo Laranja Pontes, do PS, que em julho escreveu à presidente da Câmara, Elisa Ferraz. Perguntou se a autarquia sabia, se foram pedidas licenças e se havia forma de evitar a instalação do poste ao lado do açude da Espinheira. O deputado socialista continua a aguardar resposta.
"A Câmara de Vila do Conde não tem conhecimento da intervenção em concreto", afirmou a Autarquia, questionada pelo JN. Diz que em 2017 deu parecer desfavorável à linha aérea de 60 kV, que ligaria Famalicão a Vila do Conde, mas que passava justamente no terreno onde está prevista a instalação do futuro Hospital Póvoa de Varzim/Vila do Conde. Em 2018, a EDP Distribuição alterou o traçado, mas a Câmara não sabe.
"Relativamente às localizações dos apoios [postes] e porque não foram disponibilizados estudos urbanísticos de pormenor, não foi possível averiguar quais as implicações e impactos", acrescentou a Autarquia, que remete mais explicações para a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG).
Na Junta de Freguesia de Tougues, o presidente Carlos Bento indignou-se e a população "também", segundo refere. A zona é "uma das mais bonitas do concelho". Agora, tem um "mamarracho de ferro a estragar a paisagem", lamenta.
Obra "fundamental"
"Esta obra - linha de alta tensão que liga Famalicão a Vila do Conde - é de caráter estruturante e fundamental para a melhoria da qualidade de serviço da zona. Foi licenciada pela DGEG", afirmou ao JN a E-Redes.
A empresa do grupo EDP diz que "as linhas aéreas de 60 kV não carecem de estudo de impacto ambiental". Ainda assim, dado haver atravessamento de zona de Reserva Ecológica, é adiantado que a DGEG terá consultado a CCDR-N e obtido o seguinte parecer: "Conclui-se que nada há a objetar à linha e que nem carece de parecer da APA".
Mas ao indagar junto da CCDR-N, o JN obteve uma resposta diferente: "Foi dado um parecer favorável [fevereiro de 2019] ao projeto, devido ao facto de não existir nada a objetar à construção da linha quanto ao Regime Jurídico da REN. Sobre a interferência do projeto com o domínio hídrico, a CCDR-N informou o requerente da obrigatoriedade de consulta da APA".
ALERTA
Movimento cívico pede "bom senso"
O movimento cívico Viver o Ave vem acompanhando o caso com preocupação e pede "bom senso" para preservar "um lugar único". O movimento nasceu em março, em pleno confinamento, de um grupo de amigos amantes do BTT. Tem já cerca de 120 membros. A missão é simples: alertar para a necessidade de preservar o património envolvente do rio Ave. Querem ver nascer uma ecovia, ligando a nascente do rio, na Serra da Cabreira, em Vieira do Minho, e a foz, em Vila do Conde. Ligando sete concelhos, ao longo de 93 quilómetros. Trofa e Famalicão já assinaram um protocolo de cooperação para a recuperação das margens do Ave. É um primeiro passo. O Viver o Ave espera que outros municípios lhes sigam o exemplo e, mais do que documentos, se passe aos atos.
LEGISLAÇÃO
Património
Quanto à instalação e segurança das torres de alta tensão, o decreto regulamentar n.º 1/92, de 18 de fevereiro, no seu artigo 6.º, diz que "no estabelecimento das linhas deverá respeitar-se, na medida do possível, o património da paisagem e causar-lhe o menor dano".
Atravessar rios
A E-Redes escuda-se no decreto-lei n.º 26852, segundo o qual as linhas aéreas de tensão igual ou inferior a 60 kV não carecem de licença, desde que haja autorização dos proprietários dos terrenos. Mas o atravessamento de rios é uma das exceções e a CCDR-N diz que era obrigatório consultar a APA.