A concretizar-se o fecho da maior unidade de produção da fábrica centenária Bordalo Pinheiro, chega ao fim a era industrial da pro-dução de cerâmica decorativa e de uso doméstico nas Caldas da Rainha.
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A Administração da empresa decidiu manter a laboração, este mês, mas não garante o pagamento dos salários. Os cerca de 150 trabalhadores recusaram suspender os contratos. "Eles (trabalhadores) não querem (suspender os contratos) e eu não encerro" a fábrica, disse, à agência Lusa, o administrador Jorge Serrano. "Tinha encomendas por mês na ordem dos 400 mil euros e agora tenho zero", disse, justificando a quebra com a falta de procura.
Apesar do futuro incerto, os 150 trabalhadores da Bordalo Pinheiro estão dispostos a "lutar até ao fim" pela manutenção da fábrica de cerâmica mais antiga de Caldas da Rainha e também pelos seus direitos.
O cenário de fecho ajuda o economista José Luís Almeida, autor em 2002, de um estudo sobre cenários para as industrias de Portugal, no horizonte de 2010-2015, a concluir: "Estamos a chegar ao fim da produção em massa".
A crise dos mercados financeiros veio acentuar as dificuldades de sobrevivência de um sector que dependia das encomendas de grandes clientes americanos e que há anos vinha a sentir a concorrência dos mercados asiáticos, baseada numa produção massificada e numa mão-de-obra barata.
Os problemas com o escoamento de stocks vieram pôr em causa os próprios modelos de gestão destas fábricas, assentes em linhas industriais de produção.
Todas as unidades de produção têm vindo a fechar, como aconteceu à Secla em Julho, restando apenas duas: as centenárias Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro, que parecem não escapar à crise do sector, e a Molde cujas dificuldades afectam já os seus trabalhadores.
Para o economista, a salvação do sector poderá passar por "reinventar as peças de Bordalo Pinheiro", valorizando não a loiça utilitária mas as criações artísticas de Rafael Bordalo Pinheiro, como o "Zé Povinho", que continuam a ser feitas à mão.
"São peças mais valorizadas pelos mercados mas foram as que as fábricas foram deixando de fazer", diz João Bonifácio Serra, historiador e docente da disciplina de património na Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha, para quem "se corre o risco de deitar fora" toda esta produção de elevada qualidade. "Este sector tem de se reestruturar, ter stock, estar junto dos distribuidores e estar ligado ao mundo da decoração e do turismo", adiantou.