Docentes e educadores do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis, em Gondomar, assumem responsabilidade pela colocação de tarja na sede do agrupamento. Estruturas sindicais condenam processo disciplinar. Foi marcado um protesto para 6 de outubro.
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A mensagem alusiva à luta dos professores que tornou a diretora do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis, em Gondomar, num alvo de processo disciplinar quase passa despercebida, mas o apoio que se tem gerado em torno da docente é já expressivo, com as principais estruturas sindicais a condenarem a decisão da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE). Mário Nogueira, da Fenprof, diz que o processo “é uma tentativa de silenciar a luta dos professores”.
“Estamos a dar a aula mais importante das nossas vidas” é a frase que desde fevereiro pode ser lida numa tarja preta colocada à entrada da sede do agrupamento, na Escola Básica 2/3 Júlio Dinis, e que valeu a Glória Sousa um processo cuja instrução está a ser feita pela Inspeção-Geral da Educação e Ciência, como avançou o JN na quarta-feira.
Solidários com a diretora, professores e educadoras do agrupamento emitiram um comunicado em que revelam “surpresa e perplexidade” pelo procedimento contra a docente e assumem a responsabilidade pela colocação da tarja. “Esta tarja foi concebida, paga e colocada pelos professores do agrupamento que, em fevereiro consideraram que deviam mostrar à comunidade, de forma explícita, que todos os dias se empenham para dar aos seus alunos o melhor de si, a aula mais importante das suas vidas. Numa altura em que a profissão é por tantos desprezada e desrespeitada, consideramos que devíamos deixar claro que esta é uma profissão de gente empenhada, que muitas vezes deixa para trás a sua vida pessoal e a sua família em prol dos seus alunos”, escreve a comunidade Educativa do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis.
“A responsabilidade da tarja é dos professores e educadoras do Agrupamento. Foram eles que a conceberam, pagaram e colocaram, tendo a senhora diretora apenas autorizado a sua colocação”, assumem os professores, que lembram que “o artigo 37 da Constituição da República Portuguesa determina que todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações” e que “o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”.
Por outro lado, o Sindicato dos Professores do Norte vinca que “afixar, na entrada de uma escola, a frase 'Estamos a dar a aula mais importante das nossas vidas' não é crime, tão só exercício de liberdade e cidadania”. A estrutura sindical adianta, por isso, que vai “convocar uma concentração dos professores de Gondomar, alargada a todos os que a ela se pretendam juntar, para o dia 6 de outubro de 2023, às 8 horas, junto à sede do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis, no Dia de Greve Geral de Professores e Educadores, culminando a Semana Europeia dos Professores”.
Também a Fenprof emitiu nesta sexta-feira um comunicado no qual condena a instauração do processo disciplinar à diretora do Agrupamento. “50 anos após a data libertadora do 25 de Abril, não são as raras as vezes em que se inala um bafiento cheiro a fascismo proveniente do Ministério da Educação e de alguns dos seus capangas e/ou cúmplices”, afirma a Fenprof.
Contactado pelo JN, Mário Nogueira refere que “todas as escolas têm faixas”, e que “instaurar um processo disciplinar a uma diretora, quando se trata de uma situação absolutamente normal, significa uma atitude persecutória a essa pessoa”.
“Só pode dar lugar a um processo disciplinar quem ainda não percebeu o que aconteceu há 50 anos nestes país e tem a cabeça cheia de teias de aranha”, vinca o secretário-geral maior estrutura sindical de professores, que pondera “apresentar uma queixa junto do Ministério Público contra quem tomou a decisão de instaurar um processo destes, que é de natureza fascista e uma inconstitucionalidade”.
Ao JN, Mário Nogueira adianta que a Fenprof irá abordar este assunto durante a reunião com o ministro da Educação que terá lugar na segunda-feira, às 14.30 horas. “Vamos perguntar se dá aval e cobertura a esta decisão da DGEstE. Se der, a Fenprof de imediato exigirá a demissão do ministro”.
Lembrando que "a tarja está colocada na escola praticamente desde o início deste ano civil", a presidente da Associação de Pais da Escola Júlio Dinis, Graciete Aleixo, considera que "a questão não mereceria ser tema, muito menos objeto de processo disciplinar".
A Associação de Pais da Escola Júlio Dinis "é da opinião de que este processo disciplinar apenas servirá para desviar as atenções sobre as greves e, principalmente, para desmobilizar ou desmotivar os professores/educadores da função de educar e de continuarem com o seu 'braço de ferro'".
"A tarja é a menor das preocupações da Associação de Pais da Escola Júlio Dinis. Temos, por resolver, temas bem mais importantes do que esta frase. O que nos preocupa – como pais e como Associação de Pais – é que os prejudicados continuam a ser os mesmos: os alunos", sublinha a representante dos pais, que aponta ainda preocupação pela "evidente falta de diálogo e entendimento entre Ministério e sindicatos".