<p>Apesar de não estar prevista nos estatutos e de violar o princípio da gratituicidade do cargo, o provedor da Misericórdia de Valpaços recebe uma verba anual de 15 mil euros. O jurista da instituição diz que a compensação é "legal".</p>
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A Misericórdia de Valpaços está a incorrer numa prática que uma inspecção da Segurança Social, levada a cabo na instituição, considerou irregular. Em causa estava o recebimento, por parte do provedor, de uma quantia fixa mensal de 600 euros que configurava uma remuneração não prevista nos estatutos.
No entanto, mesmo sem os estatutos terem sido alterados, o provedor está, desde 2007, a receber uma "compensação anual por tempo perdido" no valor de 15 mil euros líquidos. Dois especialistas em direito administrativo, contactados pelo JN consideram, porém, que, apesar da denominação, a ilegalidade se mantém, uma vez que contraria o espírito do Decreto-Lei nº119/83, de 25 de Fevereiro. Segundo esta lei, o "exercício de qualquer cargo nos corpos gerentes das instituições é gratuito", podendo apenas "justificar o pagamento de despesas dele derivadas", e a remuneração dos corpos gerentes só pode acontecer quando está prevista nos estatutos. Não é o caso. "Dá-me a impressão que não se pode aceitar isso de fixar uma compensação anual. Deveria ser compensado conforme a despesa feita", defende o advogado Rui Polónio Sampaio, considerando ainda que a compensação "foge ao preceito da lei, que diz que o cargo é gratuito".
"O que é gratuito não é remunerado. O que interessa receber 600 euros mensais ou ter uma compensação anual? É só o nome que muda". António Fonseca de Sousa, director dos Cadernos de Justiça Administrativa e professor na Faculdade de Direito na Universidade do Minho, tem uma opinião semelhante. " O montante fixo não é compatível com o conceito de despesas". "As despesas são pagas a posteriori. Quando se fixam, está-se a fazê-lo a priori", defende o professor, considerando que a" situação é abusiva e não está coberta pela Lei".
Confrontado pelo JN, o provedor, que dispõe de uma viatura e de um cartão de crédito da misericórdia, remeteu explicações para o jurista da instituição, Coelho Marques. Aquele alega que a decisão é "legal", que "foi aprovada em assembleia-geral", que "é do conhecimento dos irmãos" e da União das Misericórdias. O presidente da União das Misericórdias, Manuel Lemos, corrobora a legalidade da compensação, embora admita que era "preferível que estivesse previsto nos estatutos". "Mas não vejo ilegalidade. Foi votado em assembleia-geral. É transparente", conclui.