Depois de ter sido suspensa a receção de resíduos biodegradáveis no aterro de Sobrado, operado pela Recivalongo, na sequência de uma sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que validou a decisão da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), "devido ao facto de o aterro de Sobrado não ter condições adequadas ao tratamento dos lixiviados", a Recivalongo diz que pondera, "por não concordar com as diretrizes", "comunicar a situação ao Tribunal de Justiça da União Europeia".
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Ao JN, a empresa explica que "vai aceitar o indeferimento de ambas as providências cautelares" - uma delas ligada à descarga de águas residuais diretamente no meio hídrico, que não foi permitida - e aguardar o desfecho da ação principal no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
"Em pleno século XXI, não faz sentido ordenar uma empresa que trata as suas águas ao nível de consumo a descarregar essas águas no esgoto para serem novamente contaminadas e, eventualmente, tratadas por um processo de nível inferior. É absurdo e contraria todos os princípios ambientais que defendemos. Mas essa foi a decisão provisória do tribunal com base nas tomadas de posição da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e da CCDR-N", lamenta a Recivalongo.
A empresa alerta ainda que esta suspensão de receção de resíduos afeta "diretamente" a população, pois neste aterro são tratadas "diariamente mais de 500 toneladas de resíduos produzidos nos hospitais, nos centros de distribuição alimentar, nas indústrias transformadoras, na indústria alimentar, na agricultura, nas autarquias, e curiosamente, nas ETAR que tratam a água para consumo como as águas residuais do Norte do país", sendo que agora "grande parte dos resíduos vão ser reencaminhados para aterros na área de Lisboa, o que contraria o princípio da proximidade e o princípio da economia circular".
Recorde-se que o aterro da Recivalongo, em Sobrado, está a ser contestado nos últimos anos. A Câmara de Valongo congratulou-se com esta suspensão de receção dos resíduos biodegradáveis e voltou a apelar ao Governo pelo "encerramento total e definitivo do aterro de Sobrado". "Este aterro nunca deveria ter sido licenciado. É urgente encerrar definitivamente e descontaminar o aterro que foi mal licenciado em 2007 e que se encontra a escassos metros das escolas e do povoado, constituindo efetivamente um problema de saúde pública para a população que vive nas proximidades do aterro", alega o presidente da Câmara, José Manuel Ribeiro.
Já a Associação Jornada Principal, constituída para lutar pelo encerramento daquele equipamento e que já avançou com uma ação popular em tribunal para anular o licenciamento, diz que acredita "que será feita justiça" e posto fim a este "verdadeiro atentado ambiental e à saúde pública". "A população do concelho de Valongo foi enganada e está a ser sacrificada, na sequência de sucessivas decisões que visam, unicamente, interesses económicos. Continuaremos a denunciar como licenciado "ilegalmente", pelas várias entidades, um aterro que recebe mais de 400 tipologias de resíduos, que está no seio da população, não cumpre a legislação e normas em vigor e localizado em cima de linhas de água", acrescentam.
Contestação desde 2019
As queixas sobre maus cheiros e pragas de mosquitos atribuídas ao aterro de resíduos não perigosos de Sobrado, instalado na localidade desde 2011 e com licenças para receber 400 tipos de resíduos, já vinham de trás. Mas foi em junho de 2019 que a luta ganhou força com a constituição da Associação Jornada Principal cuja meta foi claramente definida: fechar aquele equipamento.
A Câmara de Valongo e várias forças partidárias colocaram-se ao lado da população, questionando e reivindicando medidas junto do Governo para resolver o que foi considerado um problema de "saúde pública". Já em 2017 e 2018, a Autarquia tinha-se pronunciado contra a renovação das licenças pela Agência Portuguesa do Ambiente e pela CCDR-N, mas não foi tida em conta.
A Recivalongo, que explora o aterro, sempre garantiu que cumpria todas as normas e tinha todas as licenças, que o equipamento era devidamente escrutinado por várias entidades e alvo frequente de fiscalizações. Também nessa altura, a CCDR-N afirmava que não havia registos de "infrações" ambientais.
Mas este seria apenas o início de uma longa novela, com inúmeros episódios, tendo o tema sido mesmo notícia internacional através de uma reportagem da agência britânica de notícias Reuters. Chegaria também à Comissão Europeia pelos eurodeputados do Bloco de Esquerda.
Foi criada uma comissão de acompanhamento com várias entidades e, no início de 2020, o Governo confirmava que ações inspetivas encontraram "vários incumprimentos legais" e que o aterro seria alvo de "medidas corretivas", que a Câmara considerou depois "inócuas face à gravidade e urgência da situação". A Associação Jornada Principal considerou tudo uma "encenação" e pediu a demissão do Ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, por "desconsiderar" o sofrimento do povo de Sobrado e um "atentado ambiental".
A população foi protestando de várias formas, com vigílias, com buzinões, vestindo a freguesia de negro ou pondo as crianças a enviar mais de 700 cartas ao ministro do Ambiente queixando-se dos maus cheiros, sem deixar cair o tema no esquecimento e levantando ainda o problema do amianto, alegadamente, mal depositado naquele equipamento.
A Recivalongo criticou, por várias vezes, a Jornada Principal e a Câmara de Valongo acusando-os de "falsas declarações" e chegou a pedir a perda de mandato do presidente da Autarquia por "abuso de poder" e "difamação". Essas queixas acabariam arquivadas pelo Ministério Público.
Em junho de 2020, a Câmara de Valongo avançava que houve violações do Plano Diretor Municipal no licenciamento urbanístico daquele aterro e que iriam para tribunal para anular o licenciamento. Em julho do mesmo ano, o ministro admitia que uma inspeção encontrou, além de incumprimentos, problemas na licença e que as conclusões enviadas à CCDR-N obrigavam a "impor limitações" ao funcionamento do aterro em Sobrado.
Em maio do ano passado, a Jornada Principal instaurou uma ação popular com o objetivo de fechar o aterro junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel contra o Município de Valongo, a CCDR-N e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), "com vista à declaração de nulidade das licenças urbanísticas e de exploração emitidas a favor da Recivalongo - Gestão de Resíduos, Lda. e da Retria - Gestão de Resíduos, Lda., bem como das licenças ambientais emitidas a favor da Recivalongo".
Também nesse ano aumentaram as queixas e denúncias da população sobre picadas de insetos que causavam reações que obrigaram a tratamentos e até internamento hospitalar e sobre pragas de baratas e roedores que eram atribuídas ao aterro. A empresa sempre negou a relação e apresentou estudos, de entidades externas, que não encontraram "insetos prejudiciais à saúde" no aterro de Sobrado. Um outro estudo, sobre odores, encomendado à Universidade Nova de Lisboa, e apresentado pela Recivalongo em dezembro de 2021, concluiu que, apesar das queixas da população, a "larga maioria das medições não detetou qualquer tipo de odor" no aterro.