Joga-se uma vez por semana no Estabelecimento Prisional de Jovens. Partilham o treino com atletas, desenvolvendo o espírito de equipa e limpando a mente.
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Após umas trocas de bola, que servem como aquecimento, convergem todos para o centro do campo de jogos do Estabelecimento Prisional de Leiria Jovens (EPL), um espaço vedado, com arame farpado no topo, mas que, mesmo assim, permite aos reclusos partilhar a sensação de liberdade momentânea. É aí que tem início mais um treino de râguebi, que junta duas dezena de reclusos e alguns jogadores dos Lobos de Leiria e da Associação Académica de Coimbra.
O momento inicial, orientado por Paulo Picão, antigo jogador da seleção que preside agora ao Comité Regional de Rugby do Centro, serve para rever regras e conhecimentos sobre modalidade, nova para a maioria dos reclusos, ainda mais num piso sintético, que obriga a adaptações. "Vamos começar com exercícios de passe", determina o técnico.
Está dado o arranque para uma nova sessão do projeto Rugby com Partilha no EPLJ, também conhecido como prisão-escola. "Mais ritmo. E estendam as mãos para pedir a bola. Fica mais fácil saber para onde passar", explica Alex, jogador da Académica e um dos quatro atletas que participam no treino. "Dá mais emoção jogar com quem sabe", confessa Gilson Silva, de 19 anos, preso há três anos e com outros tantos de pena por cumprir. Conta que, antes de entrar na prisão, já tinha jogado râguebi na escola, mas que agora tem "outro sabor", porque "dá para descontrair e ajuda a pôr a cabeça no lugar"."Alivia o "stress" e limpa a mente. Os pensamentos ruins ficam de lado", acrescenta Veiga Vaz, de 22 anos, que refere ainda a oportunidade de "jogar em equipa" e de "estar ao ar livre".
Também Alexandre Jorge, de 20 anos, em prisão preventiva, encara os treinos como um momento para se abstrair da realidade da reclusão. "Às vezes, ajuda a descarregar a raiva. Cansar o corpo alivia o stress", aponta o jovem recluso, a quem os treinos permitem também o "convívio" com colegas de outros pavilhões. Desenvolve-se "o espírito de equipa" e sente-se "liberdade", mesmo que seja apenas por duas horas.
Joana Patuleia, diretora do EPLJ, conta que, nesta prisão, a única do país que acolhe jovens, o projeto arrancou há cerca de um ano, mas ganhou agora uma nova dinâmica com a assinatura de um protocolo entre o Comité Regional de Rugby do Centro e os Lobos de Leiria, que permite uma maior regularidade de treinos.
Ajuda na regeneração
"As mais-valias são muitas. É uma atividade desportiva, que combate o sedentarismo, mas é também um projeto com impacto no desenvolvimento pessoal e social destes jovens, pelos valores que o râguebi transmite, como responsabilidade, interajuda, ética e espírito de equipa", assinala Joana Patuleia, para quem o râguebi funciona como "uma metáfora" para a vida. "Há embates, luta, esforço, mas também existe superação", observa a diretora, que enquadra a atividade na estratégia de abertura da instituição à comunidade.
"Como sociedade, temos a obrigação de fazer o melhor possível para que estes jovens, que cometeram erros, não os voltem a cometer, contribuindo para a sua regeneração", afirma Raul Testa, presidente da Associação ***Asteriscos, à qual pertencem os Lobos de Leiria.
Também Paulo Picão acredita no poder de "regeneração e de inclusão" através do desporto. "Num momento de privação da liberdade, o râguebi pode ajudar estes jovens a perceber os valores que a modalidade transmite, não só para o espaço onde estão agora, mas para a vida", reforça o técnico, que, entretanto, apita para o fim do treino. Termina como começou, no centro do campo, onde atletas e reclusos formam um corredor, por onde passam, um a um, sobre aplausos. "Bom treino, malta", elogia.