Havia de tudo na Rua dos Fanqueiros, na baixa lisboeta. Do moderno ao tradicional, para o pobre e o rico, as montras exibiam orgulhosamente os seus panos, carpetes, tecidos a metro e o pronto-a-vestir. Só que hoje há menos gente a espreitá-las.
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E se há menos pares de olhos nas vitrinas, também as caixas registadoras tilintam menos e muitos comerciantes encerram ao final do dia e já não voltam a abrir com o raiar do dia. É mais uma rua da baixa - famosa pelo seu vigoroso comércio, apelidada em tempos como centro comercial do país - que está a definhar.
"Vende-se, trespassa-se, trata". Anúncios como estes não passam despercebidos a quem percorre a Rua dos Fanqueiros. "Olhe, aquela ali, já foi casa de noivas, loja de bijuteria, de cosmética, eu sei lá", solta Adolfo Fernando, apontando para a montra em frente à loja onde trabalha há perto de quatro décadas, a Armazéns Ramos. O empregado conta que o declínio começou com a chegada o metropolitano à baixa e que, desde aí, tem sido sempre a descer. "As pessoas percorriam isto tudo a pé. Era um mar de gente. Agora, não", recorda, acrescentando que são cada vez menos as lojas de tradição. "Ali ao lado, era uma loja de cortinados e varões, que está agora com coisas dos chineses. Ao nosso lado, era um pronto-a-vestir que tinha a alcunha de Casa da Velha e vendia roupas de corte mais antigo", explica.
Ao meio-dia, Adolfo Fernando ainda só tinha atendido duas fiéis clientes. É aliás a fidelização que vai sustentando o pequeno comércio. "São pessoas que procuram qualidade e que gostam de ser bem atendidas", diz.
Da afamada Casa dos Panos, fundada em Oitocentos, já só resta a placa na fachada do edifício. "Estamos quase sem concorrência", ironiza José Tavares. A sua loja - Tavares - fundada em 1793 será talvez a mais antiga. Está na família há mais de 100 anos, mas já não vende linhos, atoalhados e panos de lençol como antes.
"As pessoas não têm onde estacionar. Os hipermercados e centros comerciais desviaram a clientela. Por outro lado, temos aqui autocarros e eléctricos a passar, mas não há paragens", nota.
"Com trânsito ou não, tanto faz. Até acho que se a rua fosse pedonal era bom. A Câmara deveria preocupar-se mais como o estado do comércio. Ao fim ao cabo fazemos parte do cartão de visita e a baixa sem nós não é nada", avança a empregada de um pronto-a-vestir, que não quis ser identificada.
"Isto não se vê em mais nenhum outro centro histórico da Europa. Há prédios degradados, outros estão recuperados mas continuam fechados, e há falta de limpeza", critica José Quadros, presidente da Associação de Dinamização da Baixa Pombalina. Este cenário não é atractivo. "No Chiado, as marcas querem ir para lá. Mas está bem tratado porque teve um incêndio", acrescenta.
José Quadros garante que a crise estende-se a toda a baixa, atingindo as ruas da Prata e do Ouro. Nas duas primeiras esquinas da Rua Augusta há prédios fechados há mais de um ano. Noutros países, não é permitido", remata.