Rui Moreira reclama para o Porto "alguma migalha do que gastam com a TAP ou a Web Summit"
O centralismo, "o fardo da descentralização" de encargos e os alegados incumprimentos na transferência de verbas foram só algumas das críticas do presidente da Câmara do Porto, que acusa o Governo de esmagar o orçamento municipal. As contas para 2022 foram aprovadas em Assembleia Municipal, ao início da madrugada desta terça-feira, com os votos favoráveis do Movimento Rui Moreira, do PSD e do Chega. O PS absteve-se. BE, CDU e PAN votaram contra.
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Transferida dos Paços do Concelho para a Biblioteca Almeida Garrett, no Palácio de Cristal, por via das restrições sanitárias, a sessão ordinária da Assembleia Municipal do Porto iniciada às 20.45 de segunda-feira levava já quatro horas de debates e deliberações quando, finalmente, foi sufragado o penúltimo ponto da ordem dos trabalhos. Com os 29 votos representados pelo acordo de governabilidade entre o movimento independente de Rui Moreira e o PSD, a que se somou o do deputado único do Chega, foi ratificada a proposta do Orçamento aprovada na semana passada na Câmara.
À espera da "bazuca"
O PS (nove votos) absteve-se. O BE, a CDU e o PAN (sete votos, no total) votaram contra. O deputado comunista Rui Sá denunciou "mais um mandato de estagnação, com um orçamento pouco ambicioso, traduzido numa redução de 3%". Já Susana Constante Pereira, do Bloco de Esquerda, disse que "o orçamento não acompanha a multiplicação de emergências causadas pela crise económica". E Paulo Vieira de Castro, deputado único no PAN, viu um "orçamento que, embora tenha aspetos positivos, revela uma narrativa fantasiosa, a dos espaços verdes, pois o que está previsto é uma conceptualização do espaço e não a criação de novas áreas".
Rui Moreira foi rebatendo as críticas e verificou que o Orçamento está condicionado por "alguns fatores que aportam imponderabilidades", desde logo as relacionadas com a atribuição de verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). "Eu sou crente", ironizou o presidente da Câmara, que prevê e deseja que a Assembleia Municipal volte rapidamente a votar novas contas, as de um orçamento retificativo, já com as verbas da "bazuca".
"Temos projetos de 400 milhões à espera do PRR e que não pudemos ainda orçamentar, porque nada está contratualizado. Mas eu sou crente", reiterou Rui Moreira, a verificar e a criticar a lentidão das transferências do Governo, designadamente as acordadas há mais de um ano no âmbito do acordo de colaboração entre o município e o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). "Ainda não entrou nem um cêntimo nos cofres da Câmara", disse Rui Moreira.
IHRU: "Nem um cêntimo nos cofres"
O autarca referia-se à Estratégia Local de Habitação e ao programa 1.º Direito. Assinado em outubro de 2020, o protocolo entre a Câmara do Porto e o IHRU prevê realojar, até 2025, 1 740 famílias, cerca de 3800 pessoas, de um universo de três mil famílias identificadas em condições de habitação consideradas indignas. O investimento estimado é de 56 milhões de euros.
"Até agora, nem um cêntimo entrou nos cofres do município. Mas eu sou crente", insistiu Rui Moreira. "Que nos digam quando nos vão dar alguma migalha do que gastam na TAP ou na Web Summit", acrescentou o presidente da Câmara do Porto.
Nos clamores do debate, passava já da uma da manhã, o sexto e último ponto da ordem dos trabalhos foi cancelado. "A apreciação da informação do Senhor Presidente da Câmara acerca da atividade do Município, bem como da situação financeira do mesmo" ficou para a sessão ordinária marcada para as 17.30 horas do próximo dia 27. A convocatória inclui uma reunião extraordinária no mesmo dia, às 21 horas, para votação das propostas aprovadas na reunião de Câmara desta segunda-feira.
Baixa da receita
O orçamento da Câmara Municipal do Porto para 2022 regista uma redução de 2,9% em relação ao de 2021, fixando-se em 319 milhões de euros, fruto de uma baixa esperada da receita total, no montante de 9,5 milhões de euros.
Luís Artur, do movimento Aqui há Porto, sublinhou que se trata de "um orçamento tecnicamente irrepreensível, que traduz os compromissos políticos de Rui Moreira em campanha eleitoral" e que "consagra o acordo com o PSD".
"Isto não é conjuntural, isto é estrutural. O fundamental é que estas contas à moda do Porto têm um equilíbrio orçamental", disse o deputado do movimento Rui Moreira.
Nuno Borges, do PSD, felicitou-se com a inclusão de medidas apontadas pelo partido, como a "devolução dos impostos aos portuenses, sem pôr em causa a estabilidade financeira do município", o "aumento das transferências e competências para as Juntas de Freguesia", uma "maior oferta da rede de creches", ou a "redução da fatura da água, que está a ser estudada pela Águas do Porto".
Ambiente e energia à cabeça
A maior fatia da despesa é para o ambiente, energia e qualidade de vida, com 19,2% do total. O plano de investimentos para 2022 prevê 114,4 milhões de euros. Destacam-se a reabilitação de habitação de renda apoiada (18,5 milhões), finalização da requalificação e instalação do Mercado do Bolhão (5,5 milhões), reabilitação de escolas (9,7 milhões), equipamentos desportivos (5 milhões), parques e jardins (7,3 milhões) ou a iluminação pública com tecnologia LED (6,5 milhões).
A receita corrente atingirá um montante de 217,7 milhões de euros. As receitas fiscais totalizam 155,5 milhões de euros e contribuem em 48,8% para a receita total. A despesa corrente é de 200,4 milhões.
Com o Imposto Municipal sobre Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT), uma das principais fontes da receita, o município prevê arrecadar 60,6 milhões de euros, mais 13,8% do que o previsto no orçamento de 2021, em reflexo da recuperação gradual do mercado imobiliário.
IMI carrega 30% sobre prédios devolutos
O Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) mantém a tributação em 0,324% e baixa 15% para a habitação própria e permanente. Em sentido contrário, o IMI de prédios devolutos sobe 30%.
O orçamento 2022 reduz a carga fiscal dos munícipes através da descida de 0,5% no IRS, fixando-a nos 4,5%. Este foi um dos pontos estipulados no acordo de governação assinado pelo movimento Rui Moreira com o PSD.
Mantém-se a redução da taxa da derrama a aplicar às empresas com um volume de negócios inferior a 150 mil euros anuais, fixando-se em 1% do lucro tributável e não isento de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), o que corresponde a cerca de 33%. No caso das empresas com volume de negócios superior a 150 mil euros, aplica-se a taxa máxima (1,5%).