A escassez de alimento para o gado é a grande explicação dos produtores de vacas barrosãs e de ovelhas da serra da Estrela para a subida dos preços no consumidor, tornando a gastronomia mais cara.
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No entanto, enquanto em Montalegre se garante que a carne não faltará no prato, como a famosa posta, já na serra fala-se em quebras na produção de queijo entre os 30 e os 40%. Montalegre ainda sofre de seca extrema, apesar da chuva que caiu por estes dias. A serra da Estrela foi afetada por um incêndio que deflagrou no dia 6 de agosto em Garrocho, no concelho da Covilhã e que foi dado como dominado no dia 17. As chamas chegaram aos municípios de Manteigas, Gouveia, Guarda, Celorico da Beira e Belmonte.
Serra da estrela
Queijo não foge à escalada de preços porque falta leite
Montado no trator com arado, Júlio Ambrósio passou o dia a lavrar o terreno, em véspera de começar a sementeira de forragens para o gado. As chamas que, este verão, consumiram hectares de pastagens em Folgosinho e Videmonte pouparam os lameiros de que é proprietário na localidade de Prados, mas da seca ninguém o livrou. Embora em pouca quantidade, a chuva que caiu nos últimos dias já plantou alguma esperança, mas por ora, o rebanho com mais de mil ovelhas, o maior de toda a região demarcada da serra da Estrela, continua a ser alimentado, essencialmente, a feno. " Tudo subiu menos a produção de leite e a quantidade de leite sofreu uma quebra a sério", disse o pastor que drena todo o leite para a queijaria da mulher, situada em Vide-entre-Vinhas, em Celorico da Beira.
E o exemplo de Júlio Ambrósio é, nesta fase, suscetível de réplica em toda a região demarcada da serra onde estão registados 236 pastores com 25 mil ovelhas de raças autóctones. Sejam Bordaleiras Serra da Estrela ou Churras Mondegueiras. "Estamos a pagar mais 20 cêntimos por litro de leite e vamos ter de vender o queijo um euro por quilo mais caro", revelou Célia Silva, que, num ano normal, produz 20 toneladas de queijo. "Desta vez, vai haver quebras na ordem dos 30% a 40% " afiançou Manuel Marques, líder da Associação Nacional de Ovinos da Serra da Estrela. E para o presidente da cooperativa de produtores de queijo "Estrelacoop", as contas são fáceis: "Menos 50 em 180 toneladas registadas no ano passado", especificou quem duvida de que a marca das 234 mil unidades anuais possa ser atingida. "Vamos tentar sensibilizar as grandes superfícies para pagarem mais ao produtor. Absorvem 75% de toda a produção na serra", realçou, sabendo de antemão que o preço pode ir além dos 20 euros por quilo.
Tal como o queijo, a quantidade de carne de borrego com denominação de origem protegida (DOP) também vai sofrer uma quebra. O presidente da "Estrelacoop" diz que não será possível reunir 2400 borregos certificados, como aconteceu no ano passado. "Haverá menos e o preço será mais elevado porque já se paga mais 95 cêntimos em quilo ao produtor", evidenciou Joaquim Lé. "O valor do animal vivo é agora de cinco euros por quilo e aos restaurantes já chega a 11,80", acrescentou.
Montalegre
Não falta posta de vitela barrosã, mas é mais cara
Os criadores de vacas de raça barrosã andam, por estes dias, mais satisfeitos. A chuva da semana passada ajudou a nascer erva nova nos lameiros. O ano tem sido difícil devido à seca e às altas temperaturas, que provocaram uma quebra de 40% na produção de forragens, a que se soma o aumento brutal dos custos de produção como consequência da guerra na Ucrânia. Apesar disso, não vai faltar carne certificada desta raça autóctone nos talhos e nos restaurantes.
Nuno Duarte, criador do concelho de Montalegre, tem, neste momento, "12 vacas adultas para reprodução e duas vitelas para criar. O ano de 2022 "é um problema", tanto para ele como para os outros agricultores: "Os preços dos cereais subiram de 20 para 40 cêntimos por quilo, o feno também está a ser comprado ao dobro do preço, os pastos estão muito fraquinhos devido à seca e não vai ser só com esta chuvinha que veio agora que vai ficar tudo bem. Pode melhorar alguma coisa, mas pouco".
Nuno estaria menos insatisfeito se fosse possível aumentar o preço da venda dos vitelos para abate na proporção suficiente para compensar a conjuntura adversa. Só que não. "O agricultor está a receber entre 25 e 75 cêntimos a mais por quilo de carne, enquanto a comida que é preciso comprar para os animais está ao dobro do preço".
Apesar de tudo, o criador acredita que não vai faltar a famosa posta de vitela barrosã no prato de quem a apreciar, seja em casa ou no restaurante. O que tem mais certo é "ter de pagar mais por ela, já que se o talhante a compra mais cara, também a vai vender a um preço mais elevado".
Na Tasca do Açougue, em Montalegre, o gerente, Rui Madeira diz que não pode aumentar o preço de venda da posta barrosã na mesma proporção do preço a que a compra no talho. "Seria insustentável e os clientes não a iriam comer. A carne aumentou cerca de 20% e eu só aumentei à volta de 10%. Estou a ganhar menos dinheiro do que há um ano", explica.
"Margem de lucro é cada vez menor"
Nuno Sousa
Presidente da Cooperativa Agrícola do Barroso
A seca e a crise ameaçam a atividade pecuária?
O concelho de Montalegre tem à volta de 12 mil cabeças de gado, entre vacas, ovelhas e cabras. Somos um dos concelhos que mais têm aumentado o efetivo ao longo dos últimos dez anos. Mas já há agricultores a pensar em reduzir o número ou mesmo fechar a exploração, porque as colheitas foram fracas, os custos de alimentação estão sempre a aumentar e a "margem de lucro é cada vez menor". Vendíamos o quilo da carne de vitela por 4,75 a 5 euros e agora vendemos a 5,5 euros, mas não compensa a subida dos custos de produção.
As recentes chuvas tiveram efeitos positivos?
Sim. Os animais são criados em regime extensivo e como estava tudo seco não havia o que comer. Os agricultores já estavam a dar-lhes a comida que tinham armazenado para o inverno. Mesmo assim, se continuar a haver humidade, em 15 dias pode voltar a haver pastoreio nos lameiros.
Vai compensar as perdas?
Não. O ano foi muito anormal e tivemos perdas de 40% na colheita de forragens. Já não dá para recuperar. A chuva que caiu foi boa, mas não é suficiente. Os nascentes ainda não rebentaram, os rios vão secos e as barragens estão vazias. Vai levar tempo até voltarmos a ter as condições normais.