Peregrinos fogem da multidão do 13 de maio. Rezar e conversar sobre futebol, política, mulheres e homens ajudam a ocupar o tempo.
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Novato nestas andanças, Paulo Magalhães, 47 anos, confessa que não imaginava que percorrer 285 quilómetros a pé, entre Guimarães e Fátima, de mochila às costas, fosse tão difícil. Acompanhado por dois amigos de Braga, aos quais se juntou em Famalicão, estava a adiantar quilómetros da última etapa, entre Pombal e o Santuário, para chegarem mais depressa a Fátima no dia seguinte. “Sempre pensei que fosse mais fácil chegar a Fátima a pé”, observa.
A ideia de percorrer mais quilómetros, na tarde de quinta-feira, partiu de Dionísio Barbosa, 67 anos, conhecedor do percurso como da palma da mão, após 25 anos de peregrinação. "Vamos fazer estes dez quilómetros. Depois, chamamos um táxi, e regressamos à albergaria. E amanhã, recomeçamos do ponto em que parámos”, explica. Esta foi a última vez que o reformado percorreu a pé os 245 quilómetros entre Braga e Fátima, por “questões de saúde”. Para o ano, dará apoio aos fiéis, mas de carro.
Paulo Magalhães partiu de Guimarães na madrugada de 3 de maio, para pagar uma promessa, sobre a qual prefere não falar. Graças a Dionísio, responsável por massajar os pés dos amigos com “muita vaselina” todas as noites, e a cremes para as dores musculares, aguentou fazer uma média de 40 quilómetros por dia. Fernando Ferreira, 65 anos, emigrante em Angola, juntou-se ao grupo também para pagar uma promessa, pela segunda vez. “Estava prometida há cinco anos, e andava a adiar. Vim este ano, para não ficar por cumprir”, conta.
Escapar à confusão
O percurso é passado a rezar em silêncio ou a conversar. “Vimos muito tempo a caminhar, e falamos de tudo: futebol, política e até de mulheres”, graceja Fernando. À exceção de Dionísio, que ficará em Fátima até dia 13, para assistir e participar nas celebrações religiosas, os outros dois peregrinos regressaram a casa de autocarro, ontem. Ausente da empresa há cinco dias, Paulo tinha de voltar ao trabalho.
O grupo liderado por Rufina Gonçalves, 64 anos, funcionária de um lar de idosos, partiu no dia 1 de maio de Mirandela. “Nesta altura, há menos peregrinos e os bombeiros têm mais espaço, e nos dias próximos do 13 de maio há muita confusão, e ficamos mais cansados”, justifica. Os 18 peregrinos regressaram ontem a casa, até porque não podiam estar mais dias sem trabalhar. “Eu e o meu marido, gastámos mil e tal euros para vir. É um bocado dispendioso”, comenta outra crente.
Os mais de 320 quilómetros de distância até Fátima obrigaram os peregrinos de Mirandela a fazer 11 paragens pelo caminho para descansar de noite, já que o dia era para caminhar. “Iniciamos às 6 da manhã e só paramos ao meio-dia para almoçar. Arrancamos logo de seguida, e andamos até às 5 ou às 6 horas”, conta Rufina. “Fazemos 40 quilómetros por dia. É a fé que nos move”, diz, orgulhosa. Pelo caminho, rezam, choram, cantam e dançam.
Fé move montanhas
Há 18 anos, fiz esta promessa à Nossa Senhora de Fátima, para agradecer por ter sobrevivido a um cancro”, conta Rufina Gonçalves. “Virei até poder”, promete. Desde então, tem cumprido a promessa religiosamente, e levado outros fiéis consigo, a maioria dos quais foram-se juntando nos últimos anos. Alguns para pagar promessas, outros “apenas” por fé. Desde 2022, graças ao apoio das autarquias locais, são acompanhados por um autocarro, com motorista. “Leva-nos ao local onde vamos dormir, e de manhã deixa-nos no sítio onde ficámos no dia anterior”.
Adélia Olímpia, 52 anos, o filho Luís Baptista, 28 anos, e a neta Lara, de 8 anos, também foram acompanhados pela família, em carrinhas, durante o percurso entre Moimenta da Beira e Fátima, a 245 quilómetros de distância. “A fé move montanhas”, observa a matriarca. Peregrina há cinco anos, desta vez quis pagar a promessa de ir até ao Santuário a pé se a neta mais nova, de um ano, ficasse boa, como sucedeu.
Mãe de cinco filhos e avó de oito netos, Adélia foi acompanhada em pequenas partes do caminho por Lara, que seguia de mão dada com o pai. “Paramos para dormir nas carrinhas, para fazer refeições e, quando a subida é grande, descansamos um bocadito”, conta Luís. Durante o percurso, conversam e ouvem música no telemóvel. Felizes por estarem prestes a chegar a Fátima, mãe e filho dizem sentir-se mais leves quando entram no Santuário.