O sítio arqueológico Abrigo do Lagar Velho, no Vale do Lapedo, em Santa Eufémia, Leiria, foi recentemente alvo de vandalismo. A remoção de cerca de dez centímetros de contexto arqueológico do Testemunho Pendurado, reentrância na parede de fundo do abrigo, foi reportada à GNR, à Direção Geral do Património Cultural e à Direção de Cultura do Centro.
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"Durante uma visita guiada ao local, no dia 6, os técnicos do Município identificaram raspagens e extrações indevidas, sendo notória a remoção de cerca de dez centímetros de espessura do contexto arqueológico e a existência de inúmeros materiais arqueológicos espalhados na base pétrea, que sustenta o Testemunho Pendurado, e na cota de solo atual do sítio", informa a Câmara de Leiria, em comunicado.
O município "repudia de forma veemente este inqualificável ato de vandalismo, que atinge um achado de extrema importância no concelho de Leiria e de relevância internacional", refere o comunicado.
Destaca ainda que o "Menino do Lapedo" constitui um dos elementos predominantes da candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura em 2027, pelo "valor patrimonial, científico e histórico que representa para a história da evolução humana".
"Tesouro nacional"
A investigação no Abrigo do Lagar Velho iniciou-se após a descoberta, em 1998, de fragmentos ósseos humanos, pertencentes a uma criança com cerca de cinco anos, que ficou conhecida como o "Menino do Lapedo". Face à importância desta descoberta, considerada "tesouro nacional" em 2021, o Abrigo do Lagar Velho foi classificado como Monumento Nacional e o Vale do Lapedo como Zona Especial de Proteção, em 2013.
"O estudo científico deste esqueleto ["Menino do Lapedo"] veio revelar a presença de um conjunto de características anatómicas compósitas, correspondentes a Homo neanderthalensis e a Homo sapiens, o que sugeriu a então controversa hipótese de miscigenação entre estas populações", explica o comunicado. "A sequência sedimentar identificada no Abrigo do Lagar Velho integra ocupações do Paleolítico Superior, com cronologias entre cerca de 30 000 a 20 000 anos."
A Autarquia acrescenta que "o enterramento ["Menino do Lapedo"], feito há cerca de 29 000 anos, envolve a presença de uma mortalha tingida de ocre, elementos de adorno feitos com conchas e dentes de veado, e vestígios de carvões de pinheiro, o que deixa antever um cariz marcadamente ritual".
Trabalhos arqueológicos anuais
Desde 2018, especialistas da Universidade de Lisboa e da Direção Geral do Património Cultural têm realizado campanhas anuais de trabalhos arqueológicos no local, no âmbito do projeto de investigação "O Abrigo do Lagar Velho e os primeiros humanos do extremo ocidental europeu", apoiadas pela Câmara de Leiria, através da contratualização de consultoria técnica e de apoio logístico.
Com cerca de 60 centímetros de espessura, o Testemunho Pendurado localiza-se na parede de fundo do abrigo, onde "foram identificados abundantes artefactos líticos, entre os quais uma ponta de face plana e dois fragmentos de folha-de-loureiro (artefactos considerados como fósseis-diretores para o Solutrense médio), carvões, termoclastos e vestígios de peixes, anfíbios, mamíferos, répteis e aves".
O JN apurou que os danos causados constituem um crime público, por se tratar de um monumento nacional. Contudo, ainda não conseguiu obter informações adicionais junto da GNR, nem junto da vereadora da Cultura da Câmara de Leiria.