Só à sétima gestação de substituição, em 2019, Liliana e Gonçalo conseguiram ser pais.
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"Os meus ricos cachopos nasceram na Ucrânia, mas são portugueses da Covilhã". Liliana, 36 anos, mãe dos gémeos Soraia e Salvador, é uma mãe feliz. Gonçalo, 40 anos, o pai dos "cachopos", desfaz-se em mimos e beijinhos e abraços, e nenhum dos progenitores consegue imaginar a vida sem as gargalhadas, as brincadeiras e as traquinices dos gémeos que nasceram, há três anos, em Kiev.
A história do casal nem sempre foi feliz. Há oito anos, uma gravidez "normal" acabou com um bebé morto no parto e com a mãe em estado grave. Durante o internamento no Hospital da Covilhã, Liliana teve que retirar o útero. "Soube que não podia ter filhos e o meu marido, enquanto estive internada, começou a procurar formas de termos filhos mesmo eu não podendo engravidar", recorda Liliana. A possibilidade de ir à Ucrânia e recorrer a uma gestação de substituição começou, desde logo, a ser uma hipótese para o casal. Pelas redes sociais, Liliana e Gonçalo foram entrando em grupos onde o tema era discutido e onde eram partilhadas experiências.
Em 2015, iniciaram o processo burocrático de juntar documentos como a certidão de casamento apostilada (o recurso a uma "barriga de aluguer" só é permitido a casais heterossexuais), relatórios e exames clínicos que provem que a mulher não pode engravidar, entre outros. Em 2016, viajaram pela primeira vez à Ucrânia para conhecer a clínica e assinar o contrato em que a gestante renuncia a todos os direitos sobre o bebé. "Os médicos fizeram a recolha de esperma e de embriões", recorda. Começaram as fertilizações: a primeira, a segunda, a terceira e só terminaram na sétima. "Somos um caso raro. Por razões diferentes, só a sétima gravidez correu bem e conseguimos ter os nossos filhos", frisa Liliana. As expectativas do casal iam diminuindo assim como a conta bancária. "A sétima fertilização foi uma oferta da clínica, porque não é normal seis gravidezes correrem mal", disse a mãe dos gémeos.
"Sempre grata" à Ucrânia
Em março de 2019 voltaram a Kiev, pouco antes de os bebés nascerem. Arrendaram uma casa e compraram por lá as coisas de que os bebés precisavam. Salvador e Soraia foram registados na Ucrânia apenas com o nome do pai e a Embaixada de Portugal emitiu o documento único de viagem também em nome do pai. Quase um ano depois, a mãe fez a adoção dos filhos do cônjuge, passando legalmente a ser, "no papel", mãe dos próprios filhos. Com os bebés no colo e já em casa, é que a família alargada e os amigos souberam que o casal afinal não tinha estado de férias. "Tínhamos algum receio da reação das pessoas, mas foi tudo muito bom", disse Liliana.
"Uma mulher ucraniana deu-me o melhor que tenho. Vou ser sempre grata ao país que me permitiu ter filhos", frisa Liliana. E continua: "A gestante, soube depois, tinha três filhos e teve que lhes explicar porque é que estava grávida e o que ia acontecer aos bebés. Foi uma mulher muito corajosa e, também por isso, os meus filhos têm que saber toda a verdade".
Em tempo de guerra, o casal, que sempre desejou levar os filhos ao local onde nasceram, teme não o poder fazer. "Estão a destruir tudo. Falo com pessoas que estão na Ucrânia que fazem relatos de horror do que se passa. Vivem escondidos e com medo", afirma.
No mês que viveu em Kiev, em 2019, o casal assistiu a parte da campanha eleitoral. "As pessoas gostavam do atual presidente, diziam que ele não era político mas pareciam gostar dele por isso mesmo", conta Liliana.