<p>O dia está encoberto e frio, mas o calendário dita que, para Susete Pires, técnica da biblioteca de Cerveira, há que, depois do almoço, colocar pés ao caminho e subir, literalmente subir, por uma estrada sinuosa até à recôndita freguesia de Covas.</p>
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No Centro de Dia da aldeia, mais de uma dezena de idosos aguarda na sala de estar, junto à lareira, pela chegada da jovem, para mais uma sessão de leitura. A responsável pela dinamização do "Leituras partilhadas"chega com uma enorme caixa de plástico recheada de livros, e os sorrisos abrem-se na roda de utentes formada maioritariamente por mulheres.
"Os livros infanto-juvenis são os que eles preferem", refere Susete, explicando: "Pedem sempre esses porque têm imagens e as letras são maiores. Já lhes contei histórias que contei aos mais pequenos e eles adoraram". A partilha de leitura já dura desde Dezembro e acontece em cinco lares e centros de dia, e um centro de apoio a crianças do concelho. Susete Pires escolheu para ler em voz alta aos seus pupilos duas histórias retiradas do livro "Lendas do Vale do Minho": A de Vilarinho "uma figura típica" da freguesia de Covas, célebre pelo seu hábil dedilhar da concertina e pela sua "vida airada", e outra sobre feitiços e feiticeiras. A escolha foi certeira.
Na sala fria, de que se queixa e pugna para ver substituída por "novas instalações construídas de raiz" o padre Carlos Castro, presidente do Centro Paroquial e Social de Covas, os ânimos depressa aquecem. Poucos são os que não se lembram do conterrâneo "Vilarinho", de seu nome Nelson Pereira e amigo do poeta Pedro Homem de Melo, das suas peripécias de "namoradeiro", dos bailaricos que improvisava e da sua famosa mula "vestida e maquilhada". As histórias saltam como as cerejas. "Essa história não conta tudo porque ele namorava com a mulher, mas depois encantou-se pela irmã e fugiu com ela", revela risonha, do alto dos seus 80 anos, Laurinda Correia. Aurora Duque, 71 anos, lembra também que lhe comprou todo o seu enxoval. "Ele vendia roupa que carregava na mula. Comprei-lhe tudo. Naquele tempo era a 10 escudos cada cama de roupa", recorda.
Segue-se a leitura de "O cavalo com mau olhado", e ainda Susete está a ler, já o debate se instala entre os idosos. "Nunca mais me esqueci de uma passagem quando era pequena. Ia com o meu paizinho com um carro de tojo e ao virar uma calçada vinha uma senhora, as vacas estancaram. Ela tinha fama de feiticeira e só depois de o meu pai a insultar e ela dar ordens às vacas é que elas voltaram a andar", conta Otília Caldas, 82 anos
A seu lado, Laurinda Correia comenta: "Acho que a inveja é pior que a feitiçaria". Rosa Brandão de 53 anos, mostra-se a mais entendida no assunto. Diz que, segundo "os antigos", as feiticeiras "só tem cabelo e são carecas por baixo" e que o melhor método de desfazer qualquer feitiço é "tirar as cuecas a um homem e apertar-lhe o testículo direito".
No final da sessão Rosa leva para casa a "Bíblia dos pequeninos", mas enquanto folheia o livro, avisa: "isto é muito bonito mas, leva-me mais de um ano a ler".