Cerca de duas centenas de ativistas pró-palestinianos, rigorosamente controlados pela polícia de intervenção portuguesa, estão a manifestar-se contra as celebrações do 76.º aniversário da fundação do Estado de Israel, no centro de Lisboa.
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O protesto junto ao Cinema São Jorge, convocado pela Plataforma Unitária em Solidariedade com a Palestina (PUSP), tem estado a ser acompanhado por um forte contingente policial, iniciado com a Equipa de Intervenção Rápida (EIR) e, depois, pelo Corpo de Intervenção da PSP, sem registo de confrontos até ao momento.
A entrada dos convidados para a cerimónia de celebração dos "76 anos da independência" de Israel, organizada pela embaixada israelita em Lisboa, inicialmente prevista para a entrada principal do cinema, está a processar-se pelas traseiras do São Jorge, para onde alguns manifestantes ainda conseguiram atirar sacos com tinta, que acertaram nalguns dos convidados.
A decisão de fazer entrar os convidados pelas traseiras do cinema foi tomada pela polícia, depois de dezenas de manifestantes se prostrarem à frente da entrada principal, do lado na Avenida da Liberdade.
Aos poucos, e no meio da alguma tensão face à presença das diferentes unidades da PSP, os manifestantes, ao aperceberem-se de que os convidados estavam a entrar pelas traseiras do edifício, também tentaram chegar ao local.
Embora alguns ativistas pró-palestinianos se mantenham diante do cinema, a maioria acabou por concentrar-se já no Largo Jean Monet, nas proximidades do edifício, onde se sentaram e continuaram a gritar palavras de ordem contra Israel.
Empunhando bandeiras palestinianas e cartazes de protesto, os manifestantes gritaram palavras de ordem como "viva a luta do povo palestiniano", "os 76 anos são de roubo e de chacina", "[Carlos] Moedas (presidente da câmara municipal de Lisboa) patrocina propaganda assassina" ou "Sionismo é violência, Palestina é resistência", além de referências aos 76 anos de "ocupação, apartheid, roubo de terras e de genocídio".
O protesto organizado pela PUSP e também pelo Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente (MPPM) continuou a partir das 20:00 com uma vigília que visa denunciar a "expulsão de milhões de pessoas palestinianas das suas casas e terras, assim como uma ocupação mortífera de quase oito décadas, sobre as quais teve base a fundação do Estado de Israel".
A vigília conta com intervenções de uma "refusenik" (judeus ativistas e objetores), de duas pessoas palestinianas e de um membro do coletivo "Judeus pela Paz e pela Justiça", mantendo depois disso o habitual formato de microfone aberto.
Dar "palco a assassinos"
Em declarações à agência Lusa, Júlia Branco, ativista política pró-palestiniana, considerou "vergonhoso" que a Câmara Municipal de Lisboa e o cinema de São Jorge "deem palco a assassinos" e "a pessoas que estão a matar crianças, pessoas completamente inocentes, aos milhares".
"Acho vergonhoso que a nossa cidade [Lisboa] dê palco a estas pessoas. Mas fico feliz de ver aqui tantas pessoas a resistirem e a denunciarem este crime de que Portugal está a ser cúmplice", acrescentou.
"Acho ridícula a presença de um forte contingente policial, quando são só pessoas a manifestarem-se pacificamente contra algo que me parece básico, alimentar a dissidência humana", prosseguiu.
Questionada pela Lusa sobre a decisão anunciada hoje pela Espanha, Noruega e Irlanda de reconhecerem a 28 deste mês a Palestina como Estado independente, Júlia Branco defendeu que Portugal deveria fazer o mesmo.
"O governo português tem de reconhecer o Estado da Palestina já! Espanha já o fez, a Irlanda já o fez, a Noruega já o fez. Não sei do que é que está Portugal à espera", concluiu.
Comunidade Israelita repudia cânticos
A Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) repudiou a manifestação de ativistas, acusando os participantes de "cânticos ofensivos, antissemitas e assumidamente contra a existência do Estado de Israel". Em comunicado, esta associação acusou os manifestantes de proclamarem "cânticos, insultuosos e radicais".
"A par de tais cânticos (...) os manifestantes procuraram intimidar quem entrava no cinema para, pacificamente, participar numa cerimónia protocolar, simbólica e evocativa de uma efeméride crucial para o Povo que sobreviveu ao Holocausto: a criação de um país ao qual podem, há 76 anos, chamar o seu país", realçou a CIL.
Esta comunidade apontou que os participantes da manifestação recolheram imagens de quem entrava para "poderem mais tarde, como feito para este ano nas redes sociais recorrendo a imagens do ano passado, exibir e 'denunciar' rostos de pessoas concretas que estiveram presentes na ocasião".
E acusou ainda de "arremesso de ovos e de tinta", frisando que os protestantes "atingiram, entre outros, membros da Comunidade Israelita de Lisboa, cidadãos portugueses de pleno direito".
"Estas ações merecem repúdio veemente e uma condenação frontal e inequívoca", sublinhou a CIL, num comunicado onde agradeceu a "proteção e ação empenhada das forças de segurança".
Esta comunidade condenou ainda as "palavras de ordem como uma Palestina 'do Rio até ao mar' e 'Palestina está na hora, de Israel ir-se embora'", entre "outros cânticos agressivos e antijudaicos", acusando os manifestantes de defenderem "a frontal extinção do Estado de Israel" e "como consequência, dos seus habitantes e do seu povo".
"Este é um discurso intolerante e perigoso. A liberdade de expressão, um pilar tão importante da democracia, foi poluída por um discurso marcado por um antissemitismo primário. A liberdade de manifestação foi corrompida por atos de intolerância e de insulto gratuito, mas sobretudo de inaceitáveis ofensas e agressões físicas", referiu ainda.