Tribunais plenários de Salazar são "uma triste página da história da justiça portuguesa"
Os julgamentos sumários praticados durante o regime do Estado Novo estiveram em debate, esta quinta-feira, no Porto. O juiz conselheiro Simas Santos e o ex-bastonário da Ordem dos Advogados Guilherme Figueiredo alertam para a necessidade de todos estarem "atentos e vigilantes na defesa da liberdade".
Corpo do artigo
Por entre histórias que remontam à época da ditadura salazarista, o juiz conselheiro jubilado Manuel Simas Santos recordou os procedimentos judiciais de então, explicando como funcionavam os tribunais plenários, que em meados da década de 1940 substituíram os tribunais militares especiais (criados para punir os crimes políticos), mas continuaram, contudo, a funcionar como um instrumento da ação política do regime de Salazar, ocupando-se a julgar os opositores do Estado Novo. "Estava-se perante tribunais especiais criados especificamente para julgar determinados tipos de crimes, o que hoje é constitucionalmente proibido" e "considerado um ataque inaceitável e inadmissível contra os direitos fundamentais dos cidadãos", referiu.
"É uma triste página da história da justiça portuguesa", afirmou Simas Santos, no início da conferência "Julgamentos sumários: o grau zero da injustiça", que decorreu ao final desta quinta-feira, na Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Lembrando os julgamentos dos tribunais criminais plenários, de caráter "sumário, formal, expedito e arbitrário", decorreram "exatamente até ao dia 25 de Abril de 1974", no contexto de processos que incluíam "tortura e maus-tratos", o juiz deixou o aviso: "A memória destas situações deve ser mantida e recordada, porque a liberdade não está nunca definitivamente garantida".
Comparando "aquilo que não existia e o que existe", também o ex-bastonário da Ordem dos Advogados Guilherme Figueiredo lembrou o "quão frágil é a liberdade", e recordou que, durante o regime do Estado Novo, "o governo poderia determinar ordens relativamente à magistratura". "Poderia haver ordens que saíam de quem mandava, do ponto de vista político, mesmo que a Constituição não o permitisse", sublinhou o advogado, recordando ainda que, "segundo palavras que eram usadas [à época], o ministério público era uma agência do governo".
Por contraponto, hoje em dia "existe um ambiente em que quem tem responsabilidades de governo pode, a qualquer momento, responder face à justiça", distinguiu Guilherme Figueiredo. "Os problemas que temos hoje, e que são alguns - e na justiça temos vários -, temos a possibilidade de ir resolvendo neste espaço que é o de uma democracia e da possibilidade de todos poderem afirmar o que entendem. Isso era uma coisa absolutamente inexistente à data, e, portanto, o percurso que foi feito é muito importante. Quem for ler o que se passava na área da justiça nessa altura, perceberá que estamos a milhas de distância. O processo penal e o direito penal não têm, hoje, comparação", vincou o antigo bastonário.