Laura Taveira diz que os vestidos agora "vêm com tudo à mostra" e são baratos, mas trabalho não lhe falta.
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Laura Taveira, de 89 anos, toda a vida adulta foi costureira. Começou aos 18, contra a vontade da mãe que considerava a costura um "trabalho vadio", por ser sentado, num tempo em que os labores do campo ocupavam a maioria das gentes.
Hoje, 70 anos depois, continua a costurar. Ainda tem casa aberta numa pequena viela de Monção e a clientela entra-lhe pela porta o dia todo a pedir arranjos. Conta que trabalho não falta. "Tomara ter o dobro do dia", diz ao JN. A experiência é tanta que já não pica os dedos com a agulha, "se pico, não dou por ela", diz.
Convencer Laura a falar ao JN demorou mais de três meses e precisamos da influência dos filhos. "Não quero ser vista, nem lembrada", justificou antes de acabar por ceder. Em nome da sua história feita de trabalho e agulhadas nos dedos. Algumas delas na alma, como a morte de um dos filhos, que lhe deixou marcas profundas.
De resto, a costureira continua a coser os seus dias com ânimo e humor. "Agora os vestidos vêm com tudo à mostra", graceja enquanto costura um exemplar de tecido escasso.
Costurar era vadiar
De vez em quando levanta a cabeça e espreita a porta por cima dos óculos. E lá vai desvendando o seu longo percurso. "Os meus pais eram trabalhadores do caminho de ferro. A minha mãe dava entrada e saída aos comboios, e o meu pai assentava carris", conta, recordando que eram 11 irmãos. "De dez raparigas, fiquei eu costureira. Fui tirar o curso com 18 anos, mas não foi fácil. A minha mãe nunca nos deixou andar feitas vadias. Este era um trabalho vadio. De passear. A costura era um trabalho sentado", explica, lembrando que começou por "costurar para um patrão" e só depois é que abriu casa própria. "Costurei muito. Vestidos, fatos, tudo", refere. "Mas as coisas mudaram muito. Agora, vai-se à feira e compra-se tudo barato. Poucos mandam fazer novo".
Recorda alguns vestidos de noiva que lhe saíram das mãos, "fiz o da minha filha, o da minha neta e o de uma nora. E fiz alguns para noivas, mas sem ser o [tradicional] de noiva". Agora só faz arranjos, "bainhas, fechos, nada de trabalhos pesados".
Com quase 90 anos, Laura entende que não sabe tudo do ofício. "Ainda há coisas hoje que não sei fazer e já não vou a tempo de aprender".