Tradição de Páscoa, com almoço para a freguesia de Ponte de Lima, voltou a cumprir-se para orgulho de gerações. Meio milhar de pessoas aplaudiram.
Corpo do artigo
Vítor Silva, 42 anos, diretor geral de uma empresa, natural de Fontão, Ponte de Lima, casado e pai de um casal, é o próximo Mordomo da Cruz de Fontão, em Ponte de Lima. Terá de organizar o almoço da Páscoa para a freguesia no próximo ano. Foi indicado de surpresa, este domingo, por entre cânticos, toque repenicado das campainhas do compasso e a ovação da população, pelo Mordomo da Cruz deste ano, Norberto Fernandes.
Excecionalmente ao fim de quatro anos, por causa do interregno provocado pela pandemia, cumpriu-se assim mais uma vez a velha tradição, que reúne o povo fontanense no domingo da Páscoa. À festa compareceram cerca de 500 pessoas, a convite do casal Norberto e Irene, e os filhos Alexandre e António, que durante o repasto passaram o testemunho.
"Tenho muito gosto em receber o ramo [simboliza a passagem de testemunho] deste Mordomo. É um amigo, que é da família. O meu pai, na sexta-feira, disse-me: 'fiz esta Páscoa há 30 anos e, na altura, prometi isto para ti'. Pronto, aqui está", reagiu Vítor Silva, ainda ofegante da emoção, comentando: "Não estava à espera disto. De todo".
Avós, pais e netos de Fontão, vivem com alegria a festa que honra gerações. Uns com a nostalgia de já terem sido mordomos e na esperança de ver os descendentes cumprir o papel, outros com a ideia do que os espera mais ano menos ano e os mais novos com a certeza que um dia lhes há de calhar.
"É um orgulho. Uma tradição. Nós que somos desta terra, quem nasce aqui, já sabe que isto um dia pode acontecer", disse Vítor, recordando: "Ainda hoje de manhã falava com amigos e dizia que há que respeitar a hierarquia, porque há amigos mais velhos que querem ser [Mordomo da Cruz de Fontão]. Espero que o possam ser um dia mais tarde".
Ao lado do fontanense incumbido da missão, a esposa, Maria Nazaré de 40 anos, que não é da terra, foi apanhada de surpresa, mas mostrou apoio total ao marido. "Não estava a contar com isto, mas recebo de bom grado. Acho que conto com a ajuda de toda a freguesia para fazer uma festa bonita", disse.
E Vítor, concluiu: "Esta cruz, com a ajuda de todos, vai ser leve".
Para trás ficam quatro anos de espera de Norberto e Irene, para concretizar a festa. Ontem, não escondiam a emoção. "Já choramos hoje. Chora-se de emoção e alegria. Tivemos de esperar quatro anos para concretizar, mas Deus escolheu-nos, por alguma razão será", disse a mulher, que recebia os convidados à porta da tenda gigante, ladeada pelos filhos Alexandre e António. Também eles com as lágrimas nos olhos. "É um sonho", justificou a mãe.
E Alexandre, o mais choroso, explicou as lágrimas: "São pelas pessoas que estão no céu". No tempo da espera perderam os avôs.
Norberto que passou a manhã de domingo a percorrer a freguesia, a dar a cruz a beijar, chegou ao início da tarde para o grande almoço. "Foi difícil este tempo de espera. Faltam pessoas que eu queria que cá estivessem", lamentou, entre a saudade e a alegria de cumprir a Páscoa. "É a festa do povo de Fontão. Batemos às portas todas a fazer o convite. Uns vieram outros não", disse.
Na cozinha industrial improvisada, a cozinheira Gorete Castro, liderou nos últimos dias a equipa, incumbida de preparar o repasto: 200 quilos de cabrito, 100 de vitela e 100 de filetes, panelões de sopa de legumes, 50 litros de leite creme, 5 quilos de arroz doce. Para a festa ainda veio um bolo "de noivos" [Mordomo] com cerca de 25 quilos.
"Já faço isto há décadas. O primeiro almoço que fiz em Fontão, foi há 35 anos. O maior foi para cerca de 700 pessoas. Os últimos anos antes da pandemia foram todos quase a chegar às 700", recorda Gorete, comentando: "Estou habituada a cozinhar para muita gente. A gente dá conta do recado, quando se mete nelas e faz com gosto".