Familiares e antigos trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio (ENU) deslocaram-se, ontem, segunda-feira, aos centros de saúde para dar início a consultas programadas. Ninguém sabia de nada. António Minhoto, porta-voz dos trabalhadores, denúncia "desprezo" pela lei.
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Ao Centro de Saúde de Nelas chegaram, às nove horas em ponto, três viúvas de mineiros. Iam para uma consulta programada no âmbito da Lei 10/2010, que alargou aos familiares dos antigos trabalhadores da empresa uranífera acompanhamento médico periódico e tratamento gratuito. No balcão de atendimento, ninguém sabia de nada.
"Não estou a perceber isto. Tínhamos a indicação de que as consultas começavam esta segunda-feira", lamentou Maria Adelina dos Anjos, de 53 anos, que há quatro perdeu o marido, antigo mineiro da Urgeiriça, vítima de cancro do pulmão.
"Nunca recebi um tostão. O meu homem morreu aos 54 anos, por causa de ter trabalhado no fundo da mina de Vila Ruiva, em Senhorim, e nunca deram qualquer indemnização à família. Vivo com uma pensão de sobrevivência de 140 euros", queixa-se a mulher.
O desalento é partilhado por Maria de Jesus Borges, de 59 anos, e por Maria Madalena Lopes, de 62. As três têm em comum o facto de serem viúvas de trabalhadores da extinta ENU e de terem sido "obrigadas pela vida" a criar os filhos com uma "pensão de miséria".
A promessa de acesso a consultas gratuitas, para despistar doenças cancerosas, animou as viúvas. Ontem foi a frustração. "Os nossos maridos morreram de cancro. Temos razões para ter medo. Mas, pelo vistos, ainda não é hoje [ontem] que seremos atendidas", queixa-se Maria de Jesus.
"É uma falta de respeito para com as cerca de mil pessoas, antigos mineiros e suas famílias, que se deslocaram aos postos de saúde da sua área de residência, baseados numa informação da Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC) que anunciava para ontem o início do processo", denuncia António Minhoto, porta-voz da Comissão de Antigos Trabalhadores da ENU.
O antigo trabalhador, que ontem esteve também no Centro de Saúde de Nelas, acusa as entidades de andarem há cinco meses a "empaliar" o início das consultas. "Estamos fartos de adiamentos. Exigimos que a lei seja cumprida de uma forma simples, sem burocracias e sem filas de espera", avisa Minhoto.
O dirigente lembra que em 2007, quando foi implementada a primeira fase da lei que garantia assistência médica apenas aos antigos trabalhadores, também houve problemas. "Tivemos de ser nós a pôr a máquina a funcionar. Agora estamos na mesma", lamenta António Minhoto. Que promete levar o problema aos grupos parlamentares na Assembleia da República.
José Craveiro, responsável pelo Agrupamento de Centros de Saúde Dão Lafões III, fala em "confusão". "O ofício dava apenas conta do início do processo em 25 de Outubro, data a partir da qual os potenciais beneficiários deveriam contactar os serviços através dos números de telefone indicados. Antes das consultas, é preciso ver quem tem direito à assistência programada", justifica.