Sofia Aparício recorda os dias de terror na flotilha para Gaza: "Tive uma mira apontada à cabeça"
Atriz e ativista foi uma das quatro portuguesas a integrar a flotilha humanitária rumo a Gaza, intercetada pelo exército israelita antes de chegar ao destino. No programa "Dois às 10", descreveu momentos de medo, tortura e impotência - e reafirmou o compromisso com a causa.
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Sofia Aparício regressou recentemente a Portugal com marcas físicas e emocionais de uma missão que nunca chegou a cumprir o propósito. A atriz e ativista foi uma das quatro portuguesas que seguiram numa flotilha humanitária com destino a Gaza, ao lado da deputada Mariana Mortágua, do ativista Miguel Duarte e de Diogo Chaves.
Foto: RUI MINDERICO/EPA
O grupo integrava uma comitiva internacional que pretendia entregar ajuda humanitária à população palestiniana, mas os barcos foram intercetados pelo exército israelita em águas internacionais, sem nunca chegarem ao território de Gaza.
No programa "Dois às 10", TVI, onde foi recebida por Cristina Ferreira e Cláudio Ramos, Sofia começou por admitir que manteve a esperança até ao último momento: "Tive esperança até ao dia anterior à nossa interceção." A atriz relatou de forma crua o que viveu a seguir. "Cheguei ao porto, fui atirada contra o chão, fiquei imenso tempo naquela posição. Um rapaz ao meu lado foi espancado só porque sim e eu não pude fazer nada. É uma frustração e um sentimento de impotência muito grande e de raiva."
Nas horas seguintes, o medo e o frio tornaram-se uma arma de tortura. "Fui sequestrada e o meu barco foi intercetado em águas internacionais - são dois crimes ao abrigo da lei internacional, eu não cometi crime nenhum. Revistaram-me aos pontapés, aos gritos connosco, arrancaram-me um casaco, meteram-me numa carrinha de transporte de presos, numa caixinha pequenina com uma companheira e o ar condicionado no máximo de frio. Foram quatro horas de tortura", recordou.
"Eu temi pela minha vida"
Os dias passados numa prisão israelita agravaram o trauma. "Foi um mês de stress no barco com drones a voarem por cima, que culminou numa semana de muitíssimo mais stress, numa prisão israelita. As pernas só me começaram a tremer em Portugal", contou.
Quando Cristina Ferreira quis saber se chegou a temer pela vida, Sofia respondeu sem hesitar: "Eu temi pela minha vida, sim. Tive uma mira apontada à cabeça. Mas é sempre no momento a seguir, porque os instintos de sobrevivência entram em ação. Eu não sabia que ia funcionar assim numa situação tão extrema."
Apesar do terror vivido, garante que não se arrepende. "Eu vou porque não consigo ficar sentada no sofá a ver. É um genocídio. Nós vemos crianças a ser mortas, estropiadas, amputadas a sangue frio no nosso feed e na televisão, e se me é dada a oportunidade de fazer uma coisinha mais, eu não consigo dizer que não", confessou.
Sofia Aparício elogiou ainda a coragem dos restantes tripulantes, entre os quais Mariana Mortágua, e respondeu às críticas que recebeu nas redes sociais: "Se essas pessoas estão dispostas a correr o risco de se encontrar com o exército mais sádico do mundo para ter likes, que vão. Eu nunca procurei likes nem atenção mediática. Recebo-a bem porque normalmente é reconhecimento pelo trabalho."
Com voz firme e olhar sereno, a atriz deixou uma mensagem clara: não deixará o medo vencer. "O que vivi só reforçou a minha vontade de continuar a agir. Porque não fazer nada é o verdadeiro perigo", reforçou..