<p>O alerta está lançado. O candidato a Belém avisa que se Portugal não conseguir resolver os problemas que enfrenta mantendo os centros de decisão em suas mãos estará a caminhar para a bancarrota. E que o chefe de Estado devia ajudar o país a resistir às pressões. Aos socialistas, lembra que "ninguém se chegou à frente" para as presidenciais.</p>
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PSD e PS entraram em ruptura nas negociações para o Orçamento. A intervenção de Cavaco Silva será suficiente para resolver o impasse?
O presidente já devia ter chamado os partidos há muito tempo, uma vez que a solução passa por eles. Chamou-os tarde. É evidente que a situação do país é complicada devido à grande pressão especulativa. E ainda é agravada por declarações alarmistas de políticos portugueses, alguns próximos do presidente da República, apelando por exemplo à intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Que espera de um encontro entre Cavaco Silva e os partidos?
Espero que haja sentido de Estado e sejam capazes de encontrar soluções que permitam salvaguardar em mãos nacionais a decisão para resolução dos nossos problemas.
E se o orçamento não passar?
É desejável que haja estabilidade e um Orçamento que corresponda às necessidades do país.
E qual seria esse orçamento?
O país precisa de rigor nas finanças públicas, para a sustentabilidade do próprio Estado Social. Mas precisa de mais: de um aproveitamento dos recursos endógenos, de um plano de crescimento económico, de políticas de emprego, de um melhor aproveitamento do mar, mas também da terra. E, sobretudo, que os centros de decisão continuem em mãos nacionais. Tenho ouvido apelos de ex-ministros das Finanças, políticos e comentadores, para que a Alemanha e a senhora Merkel (chanceler) venham resolver os nossos problemas ou para a entrada do FMI. Sou da geração que sabe o que isso significa. Implica sacrifícios muito grandes sobretudo para os mais desfavorecidos. E não há situação que o justifique. É o próprio presidente do FMI que o diz. Há um aproveitamento das direitas europeias e nacional para colocar em causa conquistas civilizacionais e direitos sociais, e criar dificuldades aos governos de Esquerda que restam: Grécia, Espanha e Portugal.
Para que o Orçamento passe, aceita uma espécie de Bloco Central?
Não sou padrinho do Bloco Central, nem de outra coisa qualquer.
O PS falhou na procura de apoios à Esquerda ou foram os outros partidos que não cooperaram?
Sempre desejei que houvesse diálogo à Esquerda, mas não depende só do PS, nem só dos outros. Mas temos de ser realistas. Até agora, tem sido muito difícil. Espero que a aprendizagem dos factos ou as circunstâncias propiciem pelos menos uma redução das tensões.
A ruptura entre PS e PSD é mais um motivo para dialogar à esquerda?
As pessoas têm que ter em conta que o país está numa situação muito difícil. Há uma pressão brutal. Querem destruir o Estado Social e baixar os custos de produção à custa da baixa do trabalho. O Serviço Nacional de Saúde, a segurança social e escola públicas, e a justa causa, são coisas de que os portugueses não podem prescindir. Aquilo que foi apresentado é um projecto estratégico contra o Estado Social. Haja ou não revisão constitucional.
É claramente contra essa proposta?
É aquilo que, neste momento, me diferencia de Cavaco Silva, porque pronuncio-me sobre isso.
A que questões deveria responder?
O que fará se alguém puser em causa o SNS? Concorda que se elimine o conceito de justa causa e se liberalizem os despedimentos? Deve ter opinião. Sei que a revisão constitucional respeita aos deputados mas todos sabem que aquele projecto, tal como está, não passa porque precisa de dois terços.
O país deve abandonar alguns projectos, como sugeriu Cavaco?
Alguns, se calhar, devem ser abandonados temporariamente. Mas é uma decisão do Governo. Há outra diferença entre mim e Cavaco. Não me candidato para governar. Sempre critiquei a cooperação estratégica, tem implícita uma partilha das decisões. Não há dois primeiro-ministro. A Constituição fala de cooperação institucional, que implica lealdade, mas não elimina o direito à opinião. O presidente deve saber usá-la, não gerir o silêncio. Pode ser mais activo e interventivo, mas noutros termos.
Como por exemplo?
Promulga leis importantes que depois desvaloriza. Na lei do casamento entre pessoas do mesmo género, no fundo, gostaria de vetar...
Admite dissolver a Assembleia?
Com certeza, mas em circunstâncias excepcionais, de grande instabilidade, em que uma maioria parlamentar já não corresponda ao sentimento geral da população.
Cavaco também é responsável pela crise económica?
Criou a ilusão de que, por ser um professor de finanças, ia resolver os problemas. Não resolveu porque não governa. Mas poderia ter sido mais interventivo em relação a pessoas da sua área política que estão a fazer os apelos para a entrada do FMI. Tal como o poderia ter sido face às pressões de fora. Um presidente tem a representação nacional e essa posição de garantir a soberania do país.
Concorda com as medidas de austeridade do Governo?
Está a ser feita uma pressão que lhe deixa muito pouca margem de manobra. É difícil um país sozinho resistir. Gostaria que o presidente ajudasse a essa resistência. Também é um padrinho das políticas de austeridade, eu não sou.
Crê que devia fazer-se mais do lado da despesa?
Quando se fala do lado da despesa, está a pensar-se em cortar os salários dos funcionários públicos, o financiamento do SNS...
E o subsídio de Natal?
Espero que não se chegue aí. E que não entre o FMI. Se não conseguirmos resolver os problemas mantendo os centros de decisão nas nossas mãos podemos chegar a uma situação perto da bancarrota e então tudo será pior. Mas não sou membro do Governo. E quem está em Belém neste momento é Cavaco Silva. Se alguém é padrinho de um Orçamento de austeridade ou do entendimento a todo o custo e não se pronuncia, não sou eu que o vou fazer.
Acredita que se chegará a acordo?
Não seria bom para o país que não houvesse Orçamento. E que houvesse um mau Orçamento ou que não correspondesse às necessidades do país. Mas também acho muito difícil que, com as actuais pressões, possa haver um orçamento que satisfaça toda a gente. Espero é que os sacrifícios sejam equitativamente distribuídos e sejam compensados socialmente.
Enquanto defensor da regionalização, concorda com regiões-piloto?
Isso implica uma revisão constitucional. E, além do Algarve, temos agora o Porto a querer ser região-piloto. Isso não ajuda.
Deve haver novo referendo?
Sim.
Logo após as presidenciais?
Deve discutir-se e não criar as dissensões que houve da primeira vez. Mas a sua concretização não está na ordem do dia.