Como chegou a República a Portugal? E a que estado chegou? Se só fossem permitidas duas perguntas, para buscar sentido nas comemorações do centenário, seriam essas. Delas trataremos, até Outubro, tentando levar a que cada um procure as suas respostas.
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Se há razão para que sejam celebrados os números redondos, a República, que entra em ano de centenário, justifica-o desde os primórdios do movimento que levou a sua proclamação, a 5 de Outubro de 1910. Três séculos volvidos sobre a morte de Camões, ou seja, em 1880, as celebrações do pátrio vate constituíram a primeira grande jornada de propaganda antimonárquica. Não será, hoje, tempo de ser antimonárquico, pois só sectores residuais da nossa sociedade sonham com essa forma de governo, mas importa reflectir sobre o Portugal que temos, sobre o que mudaram estes cem anos, sobre o que poderão reservar os próximos cem.
Nas páginas do "Jornal de Notícias", a evocação da República arranca hoje e estende-se até ao momento em que, com um peso simbólico superior ao habitual, repetirmos o dia em que José Relvas proclamou, da varanda dos Paços do Concelho de Lisboa, a instauração da República Portuguesa. Arranca hoje, isto é, este mês, com uma espécie de prólogo que desagua na memória do 31 de Janeiro de 1891, sendo que o último dia do mês que hoje começa corresponde ao começo das comemorações oficiais do centenário. No Porto, justamente, onde a primeira tentativa de pôr termo à monarquia - pouco sólida, adiante-se - foi reprimida à bala.
Que significa, em páginas de jornal, lembrar a implantação da República? Significará, obviamente, recordar quem foram os protagonistas, reconstruir os acontecimentos, redescobrir os locais (no Porto, uma das iniciativas será a realização de passeios pelos locais emblemáticos do 31 de Janeiro, a cargo de Germano Silva e a anunciar oportunamente). Será, também, o acompanhamento das comemorações, à medida que elas forem decorrendo, por esse país fora.
Mas será, em boa parte, a reflexão. A necessidade de entender que antecedentes levaram à erupção republicana e perceber de que modo poderia, em 1910, a população portuguesa estar com qualquer uma das causas que se digladiavam.
São célebres as palavras de um soldado no tribunal, epígrafe do volume com que, em 1912, Jorge D'Abreu recordou a revolta de 1891: "Eu, meu senhor, não sei o que é a Republica, mas não póde deixar de ser uma cousa santa. Nunca na egreja sentí um calafrio assim. Perdí a cabeça então, como os outros todos. Todos a perdemos. Atirámos então as barretinas ao ar. Gritámos então todos: - Viva! viva, viva a Republica!...". Palavras típicas de qualquer revolução, em que os mais modestos protagonistas nem sempre sabem muito bem ao que andam. Qual será, hoje, a consciência cívica dos portugueses? Uma das metas exigíveis às comemorações deste centenário, nas quais o contributo do JN será pequena parcela, é fazer com essa consciência possa ser mais sólida.