O ex-adversário de Pedro Passos Coelho defende a abstenção no Orçamento como "mal menor" e garante que José Sócrates perdeu espaço para continuar com as "farsas". Dá por adquirido que um segundo mandato de Cavaco Silva será necessariamente "mais interventivo" e garante que o Governo cai antes do fim do mandato.
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O debate e a votação do Orçamento estão marcados para os mesmos dias do próximo Conselho Europeu. José Sócrates deve estar a prestar contas a quem?
Nesta fase tão difícil é muito importante não perdermos o pé no Conselho. É preciso perceber que, estando debaixo da atenção internacional, Portugal não pode descurar a política europeia e precisa de ter capacidade para explicar o que está a fazer. Por a votação do Orçamento não ser essencial, o primeiro-ministro deve estar presente no Conselho.
Portugal é mais credível com este OE?
Quanto mais o Orçamento incidir sobre a redução da despesa pública mais credível será. O Governo podia e devia ter ido mais longe, por exemplo, na extinção e fusão dos institutos públicos, mas admito que não seja um trabalho fácil quando se mudou toda a política orçamental há apenas três semanas. Era necessário ter uma estratégia definida, pelo menos, desde Maio. Mas ainda há margem de manobra para credibilizar mais o Orçamento e Portugal deve de imediato abandonar a construção do TGV e a terceira travessia em Lisboa.
Passos Coelho está condenado a voltar a dançar o tango com José Sócrates?
O PSD tem toda a razão quando critica a falta de explicações sobre como se chegou a este défice nas contas públicas; ninguém sabe onde se falhou e o Governo recusa dar explicações. O PSD também tem toda a razão quando afirma que a prioridade está na redução da despesa e pede uma limitação ou mesmo um não aumento dos impostos; se esta pressão não tivesse sido feita, o Governo não teria feito nenhum esforço para conter a carga fiscal. No entanto, tendo esta estratégia sido correcta, "in the end of the day", o PSD deve abster-se e viabilizar o OE.
O PSD tinha como condição inegociável o não-aumento dos impostos. Esticou demasiado a corda?
O PSD tem agora que reafirmar que estes seis anos de Governo Sócrates foram seis anos de mentiras, de omissões e ilusões, tendo a certeza de que o chumbo pode provocar uma derrocada financeira do Estado português e ter alastramento na zona euro. O PSD não pode permitir essa situação e terá de escolher o mal melhor.
E se daqui a alguns meses, tal como aconteceu com o PEC II, for necessário adoptar novas medidas?
O Governo só agora reconheceu o dramatismo da situação. Os portugueses deviam fazer uma estátua a Manuela Ferreira Leite porque a antiga líder do PSD anda a dizer isto desde 2009. O PS mentiu durante toda a campanha enquanto ela colocou os interesses patrióticos acima dos interesses eleitorais. Sócrates ganhou porque colocou os seus interesses pessoais acima dos interesses de todos os portugueses. Respondendo à sua pergunta: Sócrates já não tem margem de manobra para as suas farsas.
O líder do PSD ficou refém de si próprio?
Se o PSD tivesse referido à partida que estava diponível para viabilizar o Orçamento o resultado final seria péssimo. Assim, acabou por obter resultados. Depois, quando se chegar ao último dia da votação, será preciso ter em conta as consequências da não-viabilização. Os portugueses vão sofrer com este Orçamento, mas sofrerão muito mais se não houver nenhum.
É um Governo de legislatura?
Uma pessoa que deixa o país nesta situação é um irresponsável. É um mau Governo que merece ser obrigado a reparar os erros que cometeu, mas o problema é que lhe falta competência. É por isso que admito que este Governo não seja de legislatura e que acabe por cair. Se José Sócrates puder saltar, vai fazê-lo, mas o PSD deve obrigá-lo a assumir todas as suas responsabilidades.
É perigoso apresentar uma moção de censura?
É preciso ter muita cautela com a conjuntura. Por um lado, o PSD não tem votos para aprovar uma moção de censura sozinho e os outros partidos podem não convergir nos seus motivos. Por outro lado, o Governo pode ser tentado a apresentar uma moção de confiança.
Esperava um presidente da República mais interventivo?
Sou apoiante indefectível do presidente Cavaco, mas reconheço que, no início do Governo Sócrates, devia ter exercido alguma pedagogia preventiva, nomeadamente na Justiça e na Educação. Devia ter travado o Governo mais cedo.
Espera uma mudança de atitude de Cavaco se for releito?
Não tenho dúvidas de que Cavaco Silva será muito mais interventivo depois da sua reeleição. Penso que vai querer ser e, mesmo que não quisesse, as circunstâncias são de tal maneira graves que terá de intervir muito mais.
O que é que mudou na sua vida como eurodeputado?
A minha vida mudou muito no sentido em que deixei de viver em Portugal, mas mudou também no sentido da experiência da aprendizagem. Desde os meus tempos da universidade que não aprendia tanto como tenho aprendido no Parlamento Europeu (PE).
Já se tornou no mais federalista dos portugueses?
Estou cada vez mais convencido que a melhor forma de proteger os pequenos estados da Europa é o federalismo. Este modelo ambíguo de modelo constitucional da União Europeia dá espaço para que os países de maior dimensão tenham uma capacidade de forçar os acontecimentos que não teriam num modelo federal. Vivemos com uma aristocracia europeia.
Portugal como Estado-Nação ficaria em que posição?
Portugal não vai desaparecer por causa do federalismo. Existe essa falsa ideia da existência de soberania...
Portugal não é soberano?
A identidade nacional não se perde, mas é preciso ter presente que não há soberania nenhuma. Portugal não é um país soberano. O conceito é muito ambíguo e só serve para amplificar concepções ideológicas de momento. Portugal não é um país soberano porque não existem países soberanos. Desapareceram. O poder actualmente é exercido fora dos países e o voto dos portugueses em Portugal não resolve grande parte dos seus problemas.
Porquê?
Porque as decisões relevantes que têm consequências em Portugal são tomadas nas eleições na Alemanha e nos Estados Unidos. Não há coincidência entre os círculos onde se vota e os centros do poder. O federalismo permitia uma solução mais eficaz e o Banco Central Europeu representa um exemplo de como Portugal pode ter uma influência que não tinha fora da moeda única.
A sua proposta para estabelecer um novo acordo-quadro para definir as relações entre o PE e a Comissão provocou uma intensa polémica por causa da correlação de poderes. Sente-se um D. Quixote?
O Tratado de Lisboa reforçou os poderes do PE e dos Parlamentos nacionais. Trata-se agora de saber como colocar em prática essa nova correlação de forças. O Conselho Europeu recusa perder poderes. O PE reinvidica acesso à informação até agora considerada confidencial para tomar melhor as suas decisões e para melhor fiscalizar. Queremos ter todos os meios ao nosso dispor para exercer o nosso mandato de fiscalização a nível das relações internacionais e no acesso a informações agora confidenciais, por exemplo.