Famílias numerosas são as mais penalizadas com as medidas de austeridade impostas pelo Executivo. O clã Koehnen explica de que forma é possível educar sete filhos em circunstâncias financeiras adversas
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Quando casou, Ana Maria Koehnen, angolana de 43 anos trazida para Portugal, como tantos, pelo 25 de Abril de 1974, avisou logo: "Quero ter 12 filhos". E Timothy Koehnen, americano do Minnesota, a viver cá desde 1988, não viu qualquer inconveniente. Pelo contrário.
As estradas faziam-lhe confusão, "percorrer 100 quilómetros, de Vila Real ao Porto, demorava mais de quatro horas"; a burocracia enlouquecia-o, "até ir aos correios era dramático", recorda; mas as pessoas, o clima e, sobretudo, o Serviço Nacional de Saúde, privilégio que nem Obama conseguiu ainda implementar nos avançados Estados Unidos, "tornavam Portugal num lugar muito atractivo para viver".
Ana é educadora de infância; Timothy é professor catedrático na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Vivem em Vila Real. Ele trabalha na cidade; ela vai e vem todos os dias para Murça, a cerca de 40 quilómetros. Cedo começaram a trabalhar no sonho que primeiro era dela e depois passou a ser comum: Mafalda nasceu há dez anos, um ano depois veio o Tiago, ambos escuteiros. Carlota tem sete anos, Lourenço seis; Anita cinco e Natasha dois. A sossegada Rebeca nasceu há apenas mês e meio. Sete filhos em dez anos, todos com dupla nacionalidade. "Para lhes alargar as possibilidades no futuro."
A cinco filhos de completar o sonho, a crise económica em que o país está mergulhado obrigou este casal a encerrar aquela fábrica de amor. "Cá em casa não há férias nem folgas, mas não é pelo trabalho que decidimos não ter mais filhos." É obviamente pelo orçamento, que terá encolhido para muitos portugueses, e ao qual dois funcionários públicos não podem fugir.
Depois de asseguradas as despesas mensais fixas - a casa, o carro, as creches -, sobram neste lar 2000 euros para gerir. Mas "a partir de Janeiro haverá uma subtracção de pelo menos 700 euros", antecipa Ana Maria a fazer contas de cabeça. Corte nos salários (entre 3,5% e 10%), suspensão do abono de família (a partir de 630 euros brutos); IVA a 23% para bens essenciais, como fraldas; menos despesas de saúde e educação para deduzir no IRS; juros no crédito à habitação a subir 0.007 pontos. Além disso, ambos têm a progressão na carreira congelada.
Nada ajuda numa família que nunca viveu acima das possibilidades, nunca esbanjou dinheiro, sempre geriu tão bem os recursos que, atira Ana Maria, "bem poderíamos ir para o Governo gerir o país". Revoltada, desabafa, "estamos a ser castigados por termos cumprido as nossas obrigações". Com uma agravante, acrescenta Timothy: "Queremos reorganizar a nossa vida e não conseguimos, temos de esperar até Janeiro para sabermos a dimensão dos cortes."
Ainda que ter sete filhos possa parecer uma extravagância - e essa é talvez a pergunta a que mais vezes responderam nos últimos anos -, a família Koehnen é um exemplo de gestão.
É o pai quem enuncia as boas práticas de convivência numa vivenda necessariamente grande: não temos animal de estimação, apesar da insistência das crianças; não temos empregada doméstica; não temos jardineiro; temos dois carros porque trabalhamos em sítios diferentes, mas o último durou 16 anos. Os livros escolares são reutilizados, bem como o resto do material. O mesmo para a roupa e os brinquedos. Na alimentação, há lugar para tudo o que é saudável, mas não há comidas de plástico nem de McDonalds".
Mesmo assim, com gestão digna de alta finança, este agregado assemelha-se a metade das famílias portuguesas num aspecto: a poupança.
Em Portugal, 44% das pessoas não teriam possibilidade de pagar uma despesa inesperada de 1500 euros em 30 dias, revelou um estudo feito por professores da Harvard Business School. "Pois, é impossível poupar nesta altura", conclui Timothy.