O Tribunal Constitucional chumbou, esta quinta-feira, a convergência das pensões da Função Pública com as do setor privado. A decisão foi tomada por unanimidade pelos juízes do Palácio Ratton que consideram que os objetivos não justificam o "sacrifício dos direitos adquiridos" e das "legítimas expectativas".
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De acordo com a declaração proferida no anúncio da medida, considerou-se que o "princípio da proteção da confiança" era quebrado com esta medida do Governo. Esta tinha sido uma das questões levantadas por Cavaco Silva quando pediu a fiscalização do documento.
Dois juízes votaram a inconstitucionalidade do documento, mas elaboraram declarações de voto.
Os juizes do Tribunal Constitucional rejeitam que o corte nas pensões dos funcionários públicos constitua um imposto como argumentou Cavaco Silva mas consideram que os objetivos não justificam o "sacrifício dos direitos adquiridos" e das "legítimas expectativas".
O Tribunal Constitucional entendeu que "os preceitos sindicados não são passíveis de ser qualificadas como um imposto", refere um comunicado distribuído no final da leitura pública da decisão sobre o diploma que estabelece a convergência das pensões.
"Tendo o pedido assentado em, por um lado na violação de princípios da constituição fiscal, partindo da qualificação desta medida como imposto - tese que o Tribunal não seguiu, o Tribunal rejeitou essa qualificação", afirmou o presidente do Tribunal Constitucional, em declarações aos jornalistas no final da leitura da decisão, no Palácio Ratton, Lisboa.
As normas, alíneas a), b), c) e d) do número 1 do artigo 7º da lei da convergência das pensões determinam uma redução de 10% das pensões de valor ilíquido superior a 600 euros mensais ou um recálculo por "substituição pela percentagem de 80% da remuneração inicialmente aplicada".
Quando solicitou a fiscalização preventiva daquelas normas, Cavaco Silva argumentou que "sob um ponto de vista substancial, a redução coativa, unilateral e definitiva de pensões, feita através da fixação de um percentual sobre o respetivo valor ilíquido, deve ser qualificada como um imposto, à luz dos atributos constitutivos desta mesma figura na doutrina e jurisprudência portuguesas dado que implica um esforço acrescido exigido aos pensionistas".
O TC decidiu que as normas são inconstitucionais por violarem o princípio da proteção de confiança, uma vez que os interesses públicos invocados não prevalecem nem justificam "o sacrifício dos direitos adquiridos e das legítimas expectativas dos atuais pensionistas da Caixa Geral de Aposentações na manutenção dos montantes das pensões a pagamento".
No comunicado que resume a decisão, os juízes consideram mesmo que "uma justa conciliação de interesses públicos capazes de justificar uma redução das pensões com as expectativas dos pensionistas afetados, sempre exigiria a adoção de soluções gradualistas".
Os interesses públicos invocados pelo Governo foram a sustentabilidade do sistema da Caixa Geral de Aposentações, justiça intergeracional e convergência dos sistemas.
O TC sublinhou que desde 2006 o sistema de pensões da CGA foi fechado a novas inscrições "pelo que o ónus da sua insustentabilidade financeira não pode ser imputado apenas aos seus beneficiários, devendo ser assumido coletivamente".
Buraco de 388 milhões
O chumbo do Tribunal Constitucional ao diploma do regime de convergência de pensões entre o setor público e privado pode provocar um buraco nas contas públicas de até 388 milhões de euros.
As medidas previstas no diploma tinham uma poupança total prevista de 728 milhões de euros, mas esta era uma poupança bruta, já que uma regra que pretendia evitar a dupla penalização de alguns destes pensionistas com a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) acabava por retirar 340 milhões a esta poupança, restando com o total desta medida 388 milhões de euros.
Com este chumbo, o Governo acaba por ter de tapar um buraco nas contas que ronda os 388 milhões de euros
Fiscalização preventiva
O presidente da República requereu a 23 de novembro a fiscalização preventiva da constitucionalidade do regime de convergência de pensões, por considerar que a redução de cerca de 10%constitui um "imposto especial".
O diploma, que foi aprovado no Parlamento no dia 1 de novembro apenas com os votos favoráveis da maioria PSD/CDS-PP, define o regime de convergência de pensões da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social e implica uma redução em cerca de 10% nas pensões de valor superior a 600 euros.
"Embora no plano contabilístico as normas descritas possam ser entendidas como medidas de redução da despesa, já sob um ponto de vista substancial, a redução coativa, unilateral e definitiva de pensões, feita através da fixação de um percentual sobre o respetivo valor ilíquido, deve ser qualificada como um imposto, à luz dos atributos constitutivos desta mesma figura na doutrina e jurisprudência portuguesas dado que implica um esforço acrescido exigido aos pensionistas", diz Cavaco Silva, no texto que enviou ao TC.
Cavaco Silva solicitou a verificação da conformidade constitucional das normas, designadamente "com os princípios da unidade do imposto sobre o rendimento, da capacidade contributiva, da progressividade e da universalidade", com o "princípio da igualdade" e com o "princípio de proteção da confiança, quando conjugado com o princípio da proporcionalidade".
No texto enviado ao TC, Cavaco Silva salientou que o princípio constitucional da igualdade seria vulnerabilizado com a "criação de um imposto especial dirigido, em cumulação com o IRS, a uma categoria específica de pessoas, qualificadas como sujeitos passivos em razão da sua condição de pensionista da CGA".
O presidente da República defendeu que os pensionistas "confiaram na lei vigente" para planear a sua vida "não lhes sendo objetivamente exigível que tivessem feito outros planos previdenciais com base na antevisão da possibilidade de o Estado vir a alterar, retrospetivamente, as regras preestabelecidas e reduzir para o futuro, os valores das pensões" com que contavam.
Para Cavaco Silva, a transição de regimes de pensões em causa "pretende acelerar e consumar com efeitos imediatos" a convergência entre dois subsistemas da segurança social "através de uma afetação desfavorável das pensões dos beneficiários da CGA".
Citando doutrina existente, o presidente defende que, a ser necessária uma redução, "essa redução deve ser realizada de forma suave" através de "uma redução progressiva" para que os cidadãos possam ajustar a sua vida "às novas imposições sacrificiais que impõem uma diminuição expressiva de rendimento".